A hierarquia dos fatores
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BERNARDO PIRES DE LIMA asta ver o número de prisioneiros do PKK e do ISIS feitos pela Turquia nos últimos dias ( 1300) para se perceber o ângulo de Ancara: do total das acusações formalizadas, 65% são justificadas pelo apoio ao partido curdo e só 10% ao ISIS. No plano teórico, o governo turco coloca tudo no mesmo saco – o PM Davutoglu falou em “luta sincronizada contra o terrorismo” –, mas na prática não é assim. O que levanta duas legítimas suspeições, quanto ao verdadeiro objetivo estratégico da Turquia, e quanto à fiabilidade do seu compromisso para derrotar o ISIS. No primeiro caso, parece claro que o adiamento constitucional do sonho absolutista de Erdogan levou- o a forçar uma decisão regional em função de um cálculo interno. Atacar em força o PKK no Norte do Iraque sem apresentar qualquer equivalência no combate ao ISIS, revela uma discrepância de meios e de vontade política com custos a curto prazo merecedores de condenação por parte dos aliados da NATO. O resultado vai desviar o foco do ISIS, debilitar os grupos curdos ( mais ou menos próximos do PKK) na Síria e no Iraque, tornar o território turco mais vulnerável ao nacionalismo violento curdo e ainda mais cara e menos coesa a coligação internacional contra o ISIS. No segundo caso, vale a pena recordar dois factos: a Turquia foi até esta nova fase pouco cooperante na cedência à aviação americana das suas bases na luta contra o ISIS; e pela Turquia têm circulado milhares de jihadistas para a Síria e o Iraque sem um travão à altura. Se o ataque a Suruc deu um impulso irreversível à alteração de Ancara, acabou por expor uma hierarquia tática politicamente oportunista, tendencialmente errática e vertiginosamente perniciosa: vergar o PKK, anular o HDP, eternizar Erdogan, empurrar o ISIS, armar os sunitas, derrubar Assad. Aguardo a resposta do Irão.