Ronda Rousey, a mulher que mete medo
Na madrugada de hoje para amanhã, defende pela sétima vez um título de artes marciais mistas que a tornou popular e temida. Pelo caminho, entre treinos, f ilmes e anúncios, teve tempo para publicar a autobiografia
Oolhar que lhe serve de emblema de cada vez que caminha para o octógono, do qual nunca saiu derrotada, cumpridos onze combates profissionais em menos de quatro anos e meio, está bem explicado na autobiografia que agora assina ( e que, na verdade, foi escrita por uma das suas irmãs, Maria Burns Ortiz). Não há margem para equívocos: Ronda Rousey entra na “jaula” da Ultimate Fight Championship ( UFC) com um desejo nada oculto de destroçar, magoar, deixar marcas na sua adversária. Pode até ajoelhar- se depois e confortar a sua oponente, como aconteceu em fevereiro, diante de Cat Zingano, que resistiu durante… 14 segundos. Ou pode virar as costas a uma mão estendida, se odiar profundamente a outra lutadora, como se verificou na segunda vez que enfrentou e bateu a ex- campeã Miesha Tate. No fim, logo se vê – enquanto houver combate, não há sorrisos nem compaixão. Ronda Rousey considera uns e outra como “fatores de distração” e não os admite porque, confessa, entra em ação para “ganhar ou morrer”.
Até agora, o palmarés quase dispensa mais conversas: onze combates profissionais ( mais três amadores, todos vitoriosos), título conquistado ao quinto e mais seis defesas – todas categóricas – do cinto de campeã do UFC, cujo proprietário e mentor, Dana White, reconheceu ter criado um setor feminino para aproveitar as potencialidades de Ronda. Neste caso, as estatísticas importam: em nove dos onze confrontos ganhou com a sábia e destrutiva aplicação do mesmo golpe, uma chave de braço ( responsável por graves problemas nos cotovelos “inimigos”), uma das variantes que, no universo das Mixed Martial Arts ( MMA), representa uma submissão. Só por uma vez se viu forçada a ir além do primeiro assalto ( na suposta “desforra” com Miesha Tate). Só em três outras ocasiões teve de lutar por mais de um minuto ( na estreia com Tate e nos duelos com Liz Carmouche e Sara McMann) – todos os outros sete embates acabaram antes disso. E, nos dois mais recentes, quem lhe apareceu pela frente foi despachada 16 e 14 segundos depois de o árbitro dar o sinal de partida. Não espanta, por isso, que – com alguma ironia – os promotores recomendem aos espectadores que estejam sentados e atentos algum tempo antes do início das lutas; caso contrário, arriscam- se a perder o desfecho que, como se regista, pode chegar numa cronometragem que vai pouco além daquela que se verifica numa corrida de 100 metros…
Junte- se a esta condição de campeoníssima invicta, que até ganhou a alcunha de arms collector ( colecionadora de braços) em função do seu golpe favorito, o destaque e o re- conhecimento mediáticos que a UFC garante, o aproveitamento que Hollywood já começou a fazer do palminho de cara e dos muitos palmos de músculo de Miss Rousey: ela é a musa de Stallone &C ª em Mercenários 3, participou em Velocidade Furiosa 7 e fez um cameo em Entourage – Vidas em Hollywood, preparando- se já para rodar Mile 22, ao lado de Mark Wahlberg. Foi capa – com uma pose de nudez mitigada – da revista Sports Illustrated e a publicidade também faz questão de aproveitar as potencialidades desta mulher que, aos 28 anos, tem um mundo a seus pés.
Uma vida regalada? Nem por isso, se atentarmos no que Ronda nos revela do seu dia- a- dia: sem prejuízo de uma vida sentimental intensa, o alvo, o objetivo, o ponto de mira aparecem sempre com primazia. A mulher que sonha retirar- se sem derrotas desta aventura não se esconde: descreve pormenorizadamente os treinos e a forma como estes evoluíram; refere as penosas dietas e os quase inacreditáveis métodos utilizados; explica como, em diversas ocasiões, combateu lesionada ou febril, não deixando que à sua volta se apercebessem disso. A filosofia dominante é muito simples: dos fracos não reza a história. E Ronda sabe que, depois de ter sido a primeira atleta norte- americana a ganhar uma medalha olímpica em judo ( a mãe, Anna Maria DeMars, já tinha sido a primeira cidadã dos Estados Unidos a ganhar uns campeonatos mundiais da modalidade), depois deste percurso fulgurante nas MMA, já reservou o seu lugar. Mas quer aumentá- lo.
Não espanta, com tudo isto, que esta biografia apareça como a mistura de uma versão simplista de A Arte da Guerra e de um livro de autoajuda. Nem surpreende que Miss Rousey acabe por apontar invariavelmente o seu próprio exemplo. Aos seis anos, mal falava. Aos oito, viu- se forçada a lidar com o suicídio do pai, muito diminuído depois de um acidente na neve. Trocou os estudos pelo judo, o que a levou a passar longas temporadas longe da família, exclusivamente dedicada ao treino. Enfrentou lesões graves, num joelho e num pé. Depois de alcançar uma medalha de bronze nos Jogos Olímpicos de Pequim ( e defendendo que os árbitros a injustiçaram, impedindo- a de chegar ao ouro), saiu de casa e viveu em condições muito difíceis, chegando a dormir no carro. Trabalhou como assistente numa clínica veterinária, dando largas à sua paixão por animais, e como empregada de bar. Talvez essa ocupação tenha ajudado a um ano de desleixo, com excesso de peso e abuso de álcool, o que – depois de “ver a luz” – originou um regresso muito mais penoso.
Hoje, Ronda Rousey mantém- se firme no papel de primeira figura das MMA e de protagonista do UFC, algo que este combate da dúzia, quase seis meses depois do anterior, poderá confirmar ou interromper bruscamente. Vai voltar a ouvir Joan Jett e Bad Reputation, a voz e a canção que acompanham as suas bélicas entradas em cena, e defrontar uma brasileira em terreno hostil – veremos se no Rio de Janeiro continua “linda”. E, se a tendência das probabilidades sair furada, veremos se todo este afinco, todo este treino, todos estes mind games ( não acontecem só no futebol…) a preparam para dizer olá a uma derrota. Vai uma aposta que não? NOTA: Ronda Rousey combate com a brasileira Bethe Correia na edição 190 do UFC. De sábado ( 1) para domingo
( 2), às 03.00, em direto na BTV.