Um dicionário que se diz sentimental e sobre futebol por Rui Miguel Tovar
Ofutebol regressa a esta coluna e não é por ser verão ou por faltarem livros interessantes no único período de defeso da produção literária em Portugal. Até porque o livro escolhido é o Dicionário Sentimental de Futebol, do jornalista Rui Miguel Tovar, um raro espécimen de redator que busca assuntos diferentes e inusitados, conhecidos mas revestidos com história ou absurdamente intrigantes na área deste desporto. Tanto que nos damos a ler o volume em causa, mesmo não sendo a temática de eleição.
Diga- se, no entanto, que o futebol também é um tema literário por excelência, ou não tivéssemos consagrados escritores internacionais, Peter Handke ou Julio Cortázar, só para dar dois exemplos, entre os que se dedicaram à coisa. Qualidade de escrita que fica logo demonstrada neste livro com a primeira história, “Siga a paixão”, na qual, em duas páginas de grande pendor literário, se relata como o futebol pode servir de isco para apanhar um violador. Trata- se do argumento de um filme que ganhou o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2010, O Segredo dos Seus Olhos, em que, desaparecido o criminoso, o investigador acredita que sendo ele um apaixonado deste desporto, dificilmente perderia certo desafio. E assim acontece.
O mais engraçado neste autor é o modo como desenvolve a sua prosa. Seja qual for o tema, descreve- o como sendo um feito ou algo inalcançável, sempre num registo de que “só visto!” Registo que se descobre fácil neste dicionário de situações desportivas, que vão de Aa Z em duas centenas de páginas.
Dê- se um exemplo na letra F. Qual o interesse em conhecer a história de um curto- circuito no balneário da Luz? Nenhum ou pouco, mas se o verbete incluído neste dicionário for escrito por Tovar, a situação muda de figura. Como o que aconteceu em 1966 e que matou um jogador, Luciano; deixou vários outros em verdadeiro estado de choque, e “Eusébio ficou branco tal foi o susto”.
Ou uma das histórias da letra H, a do treinador Yustrich que é o primeiro treinador a bater num jogador do Futebol Clube do Porto.
Outro exemplo, na letra L: “Portugal descobre o Brasil em 1500, mas o Brasil só chega a Portugal 460 anos depois, com a vinda do primeiro jogador daquele país, Lúcio.” Ou ainda mais alguns contributos para este desporto na televisão: “É a 9 de fevereiro de 1958 que a RTP dá o primeiro passo no capítulo dos jogos em direto, quase um ano depois da sua fundação. Trata- se do particular Sporting- Áustria Viena, que acaba bem, 4- 0, quando comparado com os 9- 1 do Áustria- Portugal anterior. Fiquemos por um último verbete, o da letra R, quando o árbitro Eduardo Gouveia apita o Real Madrid- Nice em 1960 e se esquece de interromper o desafio aos 45 minutos. Nem quando Di Stéfano marca golo aos 50 minutos repara, só mesmo aos 53 minutos e 53 segundos é que os gritos de “relógio, relógio” dos adeptos o fazem pensar que uma primeira parte tem limites.
Apesar de não ter acontecido a tempo da edição, não faltam novos episódios para a reedição. Como o jogador português que se apresentou nesta semana no Jaén com uma T- shirt estampada com o ditador Franco. Mas conta- nos o caso de um Quaresma que em 1937, antes de um Portugal- Espanha, se recusou a fazer a saudação fascista e é preso para interrogatório.
Esta não é a sua primeira incursão pelo mundo do livro, afinal este Dicionário Sentimental vem no seguimento de títulos como os 101 Cromos da Bola ou 366 Histórias de Futebol. Ou ainda um livro com um título que nunca mais acaba e que só pode ser usado por alguém como muita sabedoria na temática: As mais Incríveis Histórias das Maiores Figuras do Futebol Português. Um livro para ler neste agosto de férias, três ou quatro verbetes entre cada mergulho, e para todos porque há episódios dos vários clubes e gerações.
Numa reedição deste livro já pode entrar a história do jogador do Jaén Nuno Silva e da sua T- shirt com Franco estampado