Diário de Notícias

A Eleição Que Ninguém Quer Ganhar

Entrevista ao autor da ficção política que nos vai contar, já, a partir de segunda- feira, o que vão ser os dias de campanha em setembro. Nomes reais, tudo inventado. Portugal à volta desta dúvida: e se ninguém nos quiser governar?

- MÁRI O DOMINGUES

O DN começa no dia 3 de agosto a publicar o seu folhetim de verão A El eição Que Ninguém Quer Ganhar. Como o seu nome indica, não é sobre os mistérios da estrada de Sintra. É inventado, como costume nos fol hetins, mas é sobre política. É, pois, uma ficção política. Todos os dias de agosto, de segunda a sábado. Respeitand­o o descanso de domingo, porque inventar também cansa. Fomos falar com o autor, que assina “Por Anónimo”, e que promete revelar quem é, mas só no fim dos 24 episódios, a 29 de agosto. Ficção política porquê? Porque estamos em agosto, época de ir para a praia, para sestas longas e passear. Ora a realidade com que temos levado em ci ma nos úl t i mos tempos é demasiado fantástica. Fatigante, até. As certezas destruídas: grandes bancos falidos; a semântica sabotada: revoga- se o irrevogáve­l; e os di s cursos desconstr uídos: o que era cr is e passou a tempos de vacas gordas... Tudo isso é político, quer dizer, pensado por poucos, sofrido por todos. Repare no último exemplo que dei, o da crise travestida em não--crise: nos seis primeiros meses de 2015, comparando com 2014, os portuguese­s compraram 32,8% mais carros. Recorde europeu! Estamos à beira da esquizofre­nia... Eu podia fazer uma de duas coisas: abrir um consultóri­o de psicologia ou escrever um folhetim político. Escolheu o folhetim político.

Exato, eu não saberia acumular. Não tenho os atributos de Joana Amaral Dias, que, psicóloga, pôde permitir- se entrar na mesma lista daquele agitado madeirense, o José Manuel Coelho. Se ninguém for eleito, ao menos que alguém seja medicado. Então, o que nos vai contar é uma história calma... Comparada à realidade, é. Logo no título: A Eleição Que Ninguém

Quer Ganhar. Aparenteme­nte, há aí alguma coisa de absurdo. Quem se candidata é para ser eleito e eu estou a dizer o contrário. Mas se compararmo­s com o que acabámos de viver na Grécia, estou na mesma onda: o Varoufakis tira da cartola o referendo, ganha- o e depois demite- se. No folhetim os políticos portuguese­s também querem demitir- se, ou pelo menos não ganhar, a 4 de outubro. Acho que é a síndrome de Froome, o ciclista, o medo da camisola amarela – só dá chatices. E se acabam por ganhar têm o Ministério Público à perna, com a caça ao doping ou a outras coisas que os políticos mais temam. O Pacheco Pereira disse o mesmo há dias na Quadratura

do Círculo: “O país não tem tónus. O PS e o PSD não querem governar.” É oque conto, os políticos portuguese­s não querem ganhar a 4 de outubro e governar isto. Só revelam bom senso, não é? E quando diz políticos diz Cavaco, Passos, Costa, Por t as, com os nomes deles, mesmo... Si m, admito t er exagerado. Chamo- os pelos nomes verdadeiro­s, como se Cavaco pudesse ser um estadista e Passos um primeiro- ministro. Digamos que, aí, me per miti s er t ão adoidado quanto a realidade. Mas no resto f ui mais comedido. Frei tas do Amaral, em 1975, em pleno Verão Quente, foi a Viena, a um congresso de democratas- cristãos que rezavam pela s al vação de Portugal. E Freitas discursou, evocando o que os anarquista­s já escreviam nas paredes de Lisboa: “Anarquia, sim, mas não tanta.” O meu f ol hetim é um bocado como esses anarquista­s, tentan- do acalmar a estapafúrd­ia realidade atual. Tem esperança, então, de mudar Portugal. Claro que não, por isso não estou em nenhuma das listas para o Parlamento. Não quero nem sei mudar o presente, por isso brinco a inventar o futuro. Publico coisas que estão datadas de avanço, do mês seguinte, do período pré--eleitoral e da campanha, lá para setembro. Se alguma coisa que eu escrever em agosto for escândalo em setembro, é a glória. Como dizia o Jean Cocteau: “Já que esses mistérios nos ultrapassa­m, façamos de conta que somos nós a organizá- los.” É o sonho de todos os folhetinis­tas de ficção política. O género é pouco praticado por cá. Falso. Eu pratico- o muito no sofá, vendo as séries televisiva­s americanas, House of Cards, The West Wings... E essa magnífica Borgen, dinamarque­sa. No ano passado, o The Economist publicou um texto com título igual ao que já disse nesta entrevista: “Quando a verdade é, de facto, mais estranha do que a ficção.” A revista falava da ficção política francesa, chega o verão e desabrocha­m os folhetins sobre Hollande e Sarkozy. Na segunda- feira, quando o DN estrear A Eleição Que Ninguém Quer Ganhar, o jornal Le Figaro também lança o seu novo folhetim: Philae Desaparece­u. Philae é a cadela labrador que Hollande levou para o Eliseu no passado Natal. Para o verão de 2016, eu acertaria mais depressa no nome do cão do Palácio Belém do que no nome do próximo presidente. Finalmente, porque assina “Por Anónimo”? É tabu provisório. Não quero passar agosto com gente a dar sugestões, o telemóvel sem parar. Quem quero que me ajude sabe que sou eu o autor e foi incentivad­o até a tentar instrument­alizar- me. Todas as vychissois­es como as de Marcelo servidas ao jornalista Paulo Portas são bem- vindas. Por outro lado, se o sucesso do folhetim for grande, o Expresso puser o meu nome numa sua sondagem e a percent agem der boa, não desdenho transforma­r- me em presidenci­ável. Estou farto da política de folhetim, branda. Eu queria era ser político de verdade, à maluca.

“Acho que é a síndrome

de Froome, o ciclista, o medo da camisola amarela

– só dá chatices

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Quando a realidade é, de facto, mais estranha do que a ficção

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