Médico acusado de passar à frente clientes do privado nas listas de espera
Ministério Público diz que ex- diretor do serviço de otorrinolaringologia do Hospital de Santa Maria cometeu abuso de poder
O Ministério Público acusou o ex- diretor do serviço de otorrinolaringologia do Hospital de Santa Maria do crime de abuso de poder, alegadamente por ter operado no hospital público vários dos doentes que seguia no consultório privado, passando- os à frente de outros que já estavam na lista de espera para cirurgia. Segundo a acusação houve doentes do consultório privado operados no mesmo dia em que foram inscritos na lista de espera do Hospital Santa Maria. Um deles passou à frente de 162 doentes. O advogado do arguido garante que vai pedir abertura de instrução, processo em que a defesa pode apresentar novas provas na tentativa de evitar a ida a julgamento.
Segundo o despacho de acusação, que o DN consultou, Mário Andrea propunha aos doentes que acompanhava no consultório privado – consoante a situação socioeconómica ou relação pessoal que tinha com os mesmos – que fossem operados por si no Hospital de Santa Maria, mesmo não sendo seguidos naquela unidade. Para isso tratava de todo o processo, pedindo aos administrativos do serviço que colocassem aqueles doentes na lista para cirurgia e reorganizava o programa de intervenções já estipulado de forma a ter acesso ao bloco operatório que mais lhe agradava e poder operar os doentes num curto espaço de tempo ou até no dia da inscrição.
Dos indícios apurados pelo Ministério Público ( MP), de 202 cirurgias realizadas entre 1 de janeiro de 2008 e 6 de fevereiro de 2013, 127 foram de doentes privados. A acusação refere que para receber estes doentes e tratar de todo o processo burocrático da inscrição, o médico pedia ao pessoal administrativo, em especial aos que também trabalhavam com ele no consultório privado, que acompanhassem os doentes. Mário Andrea foi diretor do serviço de otorrinolaringologia do Hospital Santa Maria entre outubro de 1983 e novembro de 2013, altura em que se reformou.
Segundo o MP, foi a prioridade dada pelo médico aos seus pacientes privados que lhes permitiu passar à frente de outros doentes com a mesma classificação de priorida- de e inscritos há mais tempo na lista de espera para cirurgia. Nos casos em que os doentes idos do privado foram considerados muito prioritários ou de urgência diferida, ficaram numa lista em que não havia mais ninguém com mais antiguidade do que eles. Já nas situações de prioridade normal ou prioritários, depois da consulta da especialidade e da inscrição, foram chamados de imediato para a operação, passando à frente de doentes mais antigos na lista de espera.
Foi esse o caso de um amigo pessoal do médico que tinha um desvio do septo nasal, refere o MP. Fez a consulta no Hospital Santa Maria no final de janeiro de 2008, proposto para operação a 10 de março, seguido de inscrição na lista de espera e operado de imediato. Passou à frente de 15 utentes do SNS. Há casos em que o número de doentes ultrapassados é maior, como o de uma criança de 10 anos operada que passou à frente 162 doentes com mais antiguidade na lista para cirurgia.
“Com este indiciado procedimento, o arguido violou os deveres de isenção, de prossecução do interesse público, de imparcialidade, beneficiando indevidamente pacientes do seu consultório privado, permitindo- lhes tratamento privilegiado”, refere a nota da Procuradoria- Geral Distrital de Lisboa, na sua página oficial. Na acusação, o MP refere que desta forma o médico evitou que os seus doentes privados tivessem de passar pelas consultas no centro de saúde para referenciação, permitiu que escolhessem o médico e não tivessem de esperar pela sua vez.
João Medeiros, advogado de Mário Andrea, disse ao DN que vai “requerer a abertura de instrução. A vida deste homem foi passada de trás para a frente e no meio das enormes atrocidades que estavam na acusação anónima, o Ministério Público arquivou todas e deduziu acusação de uma ínfima parte. Em sede própria faremos provar que o Ministério Público não tem razão. O Dr. Mário Andrea saiu muito magoado de todo este processo. Foi alvo de buscas em casa, no consultório, no hospital, viu a vida devastada”, afirmou.
A investigação foi dirigida pelo MP na 9. º secção do Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa e executada pela Unidade Nacional de Combate à Corrupção da Polícia Judiciária. No início de fevereiro de 2013 noticiou- se as buscas realizadas à casa do médico. A denúncia anónima que deu origem à investigação acusava ainda Mário Andrea de outros ilícitos. O MP determinou o arquivamento relativamente aos restantes crimes denunciados por insuficiência de provas.
Em sede própria faremos prova de que o Ministério Público não tem razão”
JOÃO MEDEIROS
ADVOGADO DO ARGUIDO