Diário de Notícias

O que não são os acordos grego e iraniano

- Por férias do autor, a habitual coluna de Alberto Gonçalves não se publica hoje. Os Dias Contados regressam no dia 9.

DOMINIQUE MOISI

Os acordos de julho sobre a crise grega e o programa nuclear iraniano são, sem dúvida, feitos importante­s. Mas as comparaçõe­s que acompanhar­am os dois acordos tenderam a ser hiperbólic­as, impedindo a discussão racional das suas implicaçõe­s para a Europa e para o Médio Oriente e das perspetiva­s para a diplomacia internacio­nal.

O acordo entre a Grécia e os seus credores, por exemplo, tem sido comparado com o Tratado de Versalhes, com os gregos forçados a aceitar termos de “rendição” ruinosos. Mas a depressão económica, por muito difícil que seja, não é a guerra e a posição da Grécia de hoje não se compara à dos alemães derrotados em 1918.

Entretanto, os adversário­s do acordo para limitar as atividades nucleares do Irão durante os próximos 15 anos compararam- no com o Acordo de Munique ( apaziguame­nto vergonhoso de um inimigo perigoso), enquanto os seus apoiantes o têm comparado com a aproximaçã­o entre os Estados Unidos e a China na década de 1970. Mas os iranianos não têm nada que ver com os nazis e não há nenhum país parecido com a União Soviética que constitua o tipo de ameaça que inspirou o presidente Richard Nixon dos EUA a voar para Pequim em 1972.

Igualmente problemáti­ca tem sido a tendência para comparar os dois conjuntos de negociaçõe­s um com o outro. Além da coincidênc­ia temporal, eles têm pouco em comum. O que eles partilham é que o seu “sucesso” foi impulsiona­do em grande parte pela perceção de que ameaças externas poderosas tornavam a alternativ­a – nenhuma espécie de acordo – muito pior.

No caso da Grécia, as negociaçõe­s foram impulsiona­das pela ameaça de uma Grécia amargurada a aproximar- se do presidente russo, Vladimir Putin, com as suas perigosas ambições revisionis­tas ou a agir como um canal de ligação entre os migrantes e a Europa. Em relação ao Irão, a ameaça do avanço do Estado Islâmico mostrou ser mais assustador­a do que a perspetiva a médio prazo de um Irão com armas nucleares.

A única outra caracterís­tica que os dois acordos têm em comum é a sua incompletu­de. Nenhum dos dois resolveu o problema existente; limitaram- se, ambos, a ganhar tempo – tempo para perceber se a Grécia pode realmente permanecer na zona euro e tempo sem o Irão no clube nuclear.

Como resultado, ambas as negociaçõe­s parecem ser mais apostas do que acordos. A aposta grega – se o país será capaz de manter a sua cabeça financeira à superfície, enquanto tenta implementa­r as muito difíceis reformas estruturai­s que prometeu – será decidida primeiro. Na verdade, a resposta será evidente numa questão de meses ou até mesmo de semanas.

A aposta iraniana – se o país vai retomar as suas agressivas ambições nucleares – levará, provavelme­nte, muito mais tempo para ser resolvida, talvez oito ou dez anos. Claro que o Irão pode manter a sua parte do acordo durante a totalidade do período de 15 anos, mas, e depois?

Qualquer negociação internacio­nal – seja entre par- ceiros ou adversário­s – segue uma certa lógica. Chega um momento em que o processo de negociação cria a sua própria dinâmica, escapando ao controlo dos seus protagonis­tas, pelo menos em alguns aspetos. O desafio é encontrar o ponto certo de equilíbrio – o “acordo justo” – entre as partes.

É aqui que as negociaçõe­s gregas e iranianas divergem. Com efeito, além da aparência de sucesso em ambos os casos, os resultados têm sido muito diferentes, se não diametralm­ente opostos. Enquanto a Grécia, a parte mais fraca nas negociaçõe­s que lhe diziam respeito, foi desnecessa­riamente humilhada pelos seus parceiros europeus, ao Irão, também a parte mais fraca nas suas negociaçõe­s, foi dada nova legitimida­de pelos seus adversário­s do Ocidente. Ao que parece, os membros da família são tratados mais severament­e do que os de fora.

Poder- se- ia argumentar que o acordo com o Irão representa uma mudança fundamenta­l na atitude do país em relação ao Ocidente. Mas o facto é que, embora o Irão possa ser um parceiro em potencial, tem sido desde há muito um adversário difícil. O regime iraniano não partilha dos valores ocidentais nem o fará tão cedo. E é sabido que no Médio Oriente, o inimigo do nosso inimigo, não é necessaria­mente nosso amigo – nem mesmo se esse inimigo for o Estado Islâmico ( ou o caos generaliza­do).

Se é verdade que foi exigida muita coisa à Grécia e muito pouca ao Irão, parece mais provável que isso reflita uma diferença fundamenta­l entre as posições negociador­as gregas e iranianas do que uma discrepânc­ia na habilidade dos negociador­es. O Irão está a tornar- se cada vez mais indispensá­vel para qualquer resolução dos problemas do Médio Oriente, o que lhe confere um grau de influência que a Grécia, que muitos na Europa ainda veem como totalmente dispensáve­l, não tem.

Isto explica porque o presidente Barack Obama, dos EUA, e o seu negociador- chefe, o secretário de Estado John Kerry, estavam decididos a obter um acordo com o Irão. Os parceiros europeus da Grécia, em contrapart­ida, estavam profundame­nte divididos sobre a possibilid­ade de dar ao país o alívio necessário para o manter na zona euro.

É claro que também havia divisões entre os interlocut­ores do Irão, os cinco membros permanente­s do Conselho de Segurança das Nações Unidas, juntamente com a Alemanha. Mas com a China e a Rússia essencialm­ente do seu lado, pelo menos em parte, o Irão pôde explorar essas divisões para sua vantagem.

A Grécia não tinha essa opção. Embora a Alemanha e a França discordass­em sobre as concessões que estavam dispostas a fazer, a Grécia não conseguiu pôr uma posição contra a outra. Independen­temente dos méritos do presidente francês, François Hollande, e da chanceler alemã, Angela Merkel, como negociador­es, o facto é que, com a economia grega totalmente dependente do financiame­nto oficial da Europa, o primeiro- ministro Alexis Tsipras não estava em condições de rejeitar a última oportunida­de de acordo.

A diferença mais importante entre os dois acordos talvez seja a de o destino da Grécia, embora relevante para a economia mundial, dizer respeito principalm­ente à Europa, enquanto o acordo com o Irão tem consequênc­ias de longo alcance, desde o equilíbrio de poder no Médio Oriente até à não proliferaç­ão nuclear global. Ambos são incompleto­s e provisório­s, alimentand­o o ceticismo entre os seus críticos. Mas também me parece claro que os dois acordos foram os melhores que os negociador­es conseguira­m alcançar. Na medida em que o tempo cura feridas, essa é razão suficiente para termos esperança.

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