O que não são os acordos grego e iraniano
DOMINIQUE MOISI
Os acordos de julho sobre a crise grega e o programa nuclear iraniano são, sem dúvida, feitos importantes. Mas as comparações que acompanharam os dois acordos tenderam a ser hiperbólicas, impedindo a discussão racional das suas implicações para a Europa e para o Médio Oriente e das perspetivas para a diplomacia internacional.
O acordo entre a Grécia e os seus credores, por exemplo, tem sido comparado com o Tratado de Versalhes, com os gregos forçados a aceitar termos de “rendição” ruinosos. Mas a depressão económica, por muito difícil que seja, não é a guerra e a posição da Grécia de hoje não se compara à dos alemães derrotados em 1918.
Entretanto, os adversários do acordo para limitar as atividades nucleares do Irão durante os próximos 15 anos compararam- no com o Acordo de Munique ( apaziguamento vergonhoso de um inimigo perigoso), enquanto os seus apoiantes o têm comparado com a aproximação entre os Estados Unidos e a China na década de 1970. Mas os iranianos não têm nada que ver com os nazis e não há nenhum país parecido com a União Soviética que constitua o tipo de ameaça que inspirou o presidente Richard Nixon dos EUA a voar para Pequim em 1972.
Igualmente problemática tem sido a tendência para comparar os dois conjuntos de negociações um com o outro. Além da coincidência temporal, eles têm pouco em comum. O que eles partilham é que o seu “sucesso” foi impulsionado em grande parte pela perceção de que ameaças externas poderosas tornavam a alternativa – nenhuma espécie de acordo – muito pior.
No caso da Grécia, as negociações foram impulsionadas pela ameaça de uma Grécia amargurada a aproximar- se do presidente russo, Vladimir Putin, com as suas perigosas ambições revisionistas ou a agir como um canal de ligação entre os migrantes e a Europa. Em relação ao Irão, a ameaça do avanço do Estado Islâmico mostrou ser mais assustadora do que a perspetiva a médio prazo de um Irão com armas nucleares.
A única outra característica que os dois acordos têm em comum é a sua incompletude. Nenhum dos dois resolveu o problema existente; limitaram- se, ambos, a ganhar tempo – tempo para perceber se a Grécia pode realmente permanecer na zona euro e tempo sem o Irão no clube nuclear.
Como resultado, ambas as negociações parecem ser mais apostas do que acordos. A aposta grega – se o país será capaz de manter a sua cabeça financeira à superfície, enquanto tenta implementar as muito difíceis reformas estruturais que prometeu – será decidida primeiro. Na verdade, a resposta será evidente numa questão de meses ou até mesmo de semanas.
A aposta iraniana – se o país vai retomar as suas agressivas ambições nucleares – levará, provavelmente, muito mais tempo para ser resolvida, talvez oito ou dez anos. Claro que o Irão pode manter a sua parte do acordo durante a totalidade do período de 15 anos, mas, e depois?
Qualquer negociação internacional – seja entre par- ceiros ou adversários – segue uma certa lógica. Chega um momento em que o processo de negociação cria a sua própria dinâmica, escapando ao controlo dos seus protagonistas, pelo menos em alguns aspetos. O desafio é encontrar o ponto certo de equilíbrio – o “acordo justo” – entre as partes.
É aqui que as negociações gregas e iranianas divergem. Com efeito, além da aparência de sucesso em ambos os casos, os resultados têm sido muito diferentes, se não diametralmente opostos. Enquanto a Grécia, a parte mais fraca nas negociações que lhe diziam respeito, foi desnecessariamente humilhada pelos seus parceiros europeus, ao Irão, também a parte mais fraca nas suas negociações, foi dada nova legitimidade pelos seus adversários do Ocidente. Ao que parece, os membros da família são tratados mais severamente do que os de fora.
Poder- se- ia argumentar que o acordo com o Irão representa uma mudança fundamental na atitude do país em relação ao Ocidente. Mas o facto é que, embora o Irão possa ser um parceiro em potencial, tem sido desde há muito um adversário difícil. O regime iraniano não partilha dos valores ocidentais nem o fará tão cedo. E é sabido que no Médio Oriente, o inimigo do nosso inimigo, não é necessariamente nosso amigo – nem mesmo se esse inimigo for o Estado Islâmico ( ou o caos generalizado).
Se é verdade que foi exigida muita coisa à Grécia e muito pouca ao Irão, parece mais provável que isso reflita uma diferença fundamental entre as posições negociadoras gregas e iranianas do que uma discrepância na habilidade dos negociadores. O Irão está a tornar- se cada vez mais indispensável para qualquer resolução dos problemas do Médio Oriente, o que lhe confere um grau de influência que a Grécia, que muitos na Europa ainda veem como totalmente dispensável, não tem.
Isto explica porque o presidente Barack Obama, dos EUA, e o seu negociador- chefe, o secretário de Estado John Kerry, estavam decididos a obter um acordo com o Irão. Os parceiros europeus da Grécia, em contrapartida, estavam profundamente divididos sobre a possibilidade de dar ao país o alívio necessário para o manter na zona euro.
É claro que também havia divisões entre os interlocutores do Irão, os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas, juntamente com a Alemanha. Mas com a China e a Rússia essencialmente do seu lado, pelo menos em parte, o Irão pôde explorar essas divisões para sua vantagem.
A Grécia não tinha essa opção. Embora a Alemanha e a França discordassem sobre as concessões que estavam dispostas a fazer, a Grécia não conseguiu pôr uma posição contra a outra. Independentemente dos méritos do presidente francês, François Hollande, e da chanceler alemã, Angela Merkel, como negociadores, o facto é que, com a economia grega totalmente dependente do financiamento oficial da Europa, o primeiro- ministro Alexis Tsipras não estava em condições de rejeitar a última oportunidade de acordo.
A diferença mais importante entre os dois acordos talvez seja a de o destino da Grécia, embora relevante para a economia mundial, dizer respeito principalmente à Europa, enquanto o acordo com o Irão tem consequências de longo alcance, desde o equilíbrio de poder no Médio Oriente até à não proliferação nuclear global. Ambos são incompletos e provisórios, alimentando o ceticismo entre os seus críticos. Mas também me parece claro que os dois acordos foram os melhores que os negociadores conseguiram alcançar. Na medida em que o tempo cura feridas, essa é razão suficiente para termos esperança.