Ericeira: bom peixe, neblinas matinais e o melhor surf
Estatuto de reserva mundial da modalidade, a primeira na Europa, pôs a vila no mapa das competições mundiais e deu- lhe nova vida
O jovem largou a imperial a meio, sobre o balcão, e veio direito a Ricardo Pires. “É a primeira vez que aqui estou”, diz num inglês hesitante, de sotaque indecifrável. “Autografas- me a prancha? Está lá fora no carro.” É um pedido quase ansioso, cheio de admiração. Ricardo sorri. “Eu não sou o Tiago” diz ele. Mas o outro contrapõe. “És surfista, não és?” Ricardo assente. Sim, há muitos anos que é surfista. “Então dás- me o autógrafo, vou buscar a prancha”, remata o jovem. E lá vai, entusiasmado. Ricardo ri- se. A Ericeira, hoje, também é isto: terra de surf, que pede meças às Malibus e aos Havais do planeta.
Pendurada no penhasco, com as suas casas brancas e azuis, tantas vezes envolta em nevoeiros e brumas que nunca deixam a temperatura subir de mais no tempo quente, a Ericeira milenar, balnear e piscatória ganhou o surf. E os surfistas chegam de todo o lado, em busca das melhores ondas, 12 meses por ano.
Com o irmão, Tiago, que brilhou na al - ta- competição e se tornou um dos melhores do mundo na modalidade, Ricardo tem ali na Ericeira, junto ao parque de campismo, uma escola de surf, a Tiago Pires Surfschool. É a materialização de um projeto, o de legar aos mais novos o gosto e a técnica da modalidade, e é também a sequência natural de toda uma vivência de ambos nas praias da região, desde há 25 anos. Dos primeiros passos, e das primeiras pranchas, miúdos ainda, nas ondas desafiantes da- quela costa, à dureza das competições ou ao trabalho de formiga para o reconhecimento das praias locais, onde as ondas são únicas, quase perfeitas, como primeira reserva mundial de surf na Europa.
O estatuto de reserva chegou há quatro anos, em 2011, e Tiago e Ricardo Pires acabaram por se tornar figuras locais. Mas a Ericeira também saiu a ganhar, com a sua mais recente imagem de marca, que trouxe uma nova vivência e uma nova vivacidade à terra.
De vila piscatória e balnear, on - de famílias de Lisboa se habituaram, desde o século XIX, a ir a banhos no verão, e passeio de fim de semana para um almoço ou um jantar de bom peixe e melhor marisco, a Ericeira passou também a ser procurada ao longo do ano por uma nova população de gente jovem, descontraída e bronzeada.
A marca do surf é bem visível, mal se chega perto da vila. Há lojas de pranchas e de material para a prática da modalidade; há escolas e campos dedicados, os surf camps, anunciados em letreiros que se sucedem na estrada, e à entrada de cada uma das praias encaixadas nas falésias, em vários quilómetros de costa, uma prancha erguida ao alto, no chão, faz de tabuleta: Praia do Sul, Praia da Baleia, dos Pescadores, do Norte, da Empa...
É aqui, na praia da Empa, a norte da vila e do seu desabrigado porto, que começa a reserva mundial do surf, que se estende para norte por quatro quilómetros, até à praia de São Lourenço ( ver caixa).
Lá em baixo, nas ondas, os surfistas de fatos negros que os prote- gem do frio das águas atlânticas são pontos negros movediços, a contrastar com o branco das pranchas e o azul intenso do oceano.
As ondas, essas, são de classe mundial, como diz Ricardo Pires. Ele e o irmão tiveram cedo o privilégio de o comprovar, quando se iniciaram na modalidade, ainda o surf era uma coisa rara por cá – e muito desconhecida –, praticada apenas por uma meia dúzia de pioneiros.
“Houve uma geração antes de nós que já vinha para aqui”, lembra Ricardo Pires. “O Paulo Inocente, o Pedro Lima, que já tem 80 anos, o P. P. Carrasco, o Michel Amaro”, desfia o surfista e professor. “O grande boom foi há dez anos, e com mais intensidade, com novas escolas a nascer por todo o lado, foi há cinco”, conta.
O estatuto de reserva mundial trouxe consigo uma mudança de patamar, com os nomes mais sonantes do surf a passar por aqui, em provas oficiais, e as ondas de Ribeira d’Ilhas a sagrar campeões, incluindo uma nova geração de portugueses, como Vasco Ribeiro, campeão mundial de juniores no ano passado, em Ribeira d’Ilhas. Esplanadas no Jogo da Bola Mas o verão é o verão e a Ericeira também não escapou à explosão turística que a partir de meados dos anos 70 do século XX aconteceu por todo o litoral e que, desde então, todos os anos lhe traz enchentes de veraneantes.
“Quintuplicam os residentes durante no verão”, calcula António Carlos Serra, um lisboeta estudioso da história, das tradições e da gastronomia da Ericeira, que há 47 anos adotou a terra como sua. Foi aqui que se i nstalou e criou, há mais de 20 anos, a editora Mar de Letras, onde já publicou cerca de 40 títulos, muitos deles dedicados à Ericeira, às suas gentes e tradições.
No coração da vila, o Jogo da Bola é ponto de
encontro