Diário de Notícias

Fuga da família real e refugiados judeus da II Guerra Mundial

Arredada do centro político dos acontecime­ntos, a vila viveu, mesmo assim, dois episódios centrais do século XX

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HISTÓRIA O dia 5 de outubro de 1910 ficou marcado no imaginário da Ericeira e há velhos pescadores que ainda hoje evocam esse tempo. “A minha mãe contava, de ter ouvido a quem assistiu”, lembra um deles. O que aconteceu, nesse outubro de há 115 anos, foi a fuga para o exílio da família real portuguesa, a partir da praia dos Pescadores, na Ericeira, no próprio dia da implantaçã­o da República.

O relato desse histórico embarque foi feito mais tarde, em 1928, pelo então presidente da Câmara de Mafra, Júlio Ivo, depois de ter ouvido a população sobre isso, como se lê no site da Junta de Freguesia da Ericeira. Conta Júlio Ivo: “(...) os automóveis pararam e apeou- se a família real, seguindo da Rua do Norte para a Rua de Baixo, pela estreita travessa que liga as duas (...) El- rei e quem o acompanhav­a subiram pa - ra a barca, valendo- se de caixotes e cestos de peixe.”

A população acorreu, a assistir ao acontecime­nto. “A afluência nas Ribas era imensa. Tudo silencioso, mas de muitos olhos corriam lágrimas (...)”, escreve o autor. E mais adiante: “El- rei ia muito pálido, D. Amélia com ânimo, D. Maria Pia, acabrunhad­a (...).” O iate real Amé

onde a família real embarcou, rumou a Gibraltar e daí para o Reino Unido.

Na história recente da vila há ainda o episódio dos refugiados judeus, que por ali passaram e se instalaram temporaria­mente, a partir de 1942. Fugiam ao nazismo, a caminho da América e de outros países.

“Ao todo passaram pela Ericeira mais de três mil refugiados judeus”, lembra António Carlos Serra que publicou na sua editora Mar de Letras um volume sobre o tema.

Foram anos diferentes, esses, na pequena vila piscatória. Habituados a um estilo de vida aberto e cosmopolit­a, os refugiados e, sobretudo, as refugiadas, frequentav­am os cafés, traçavam a perna, fumavam, iam à praia e, à noite, frequentav­am os bailes. “Na altura, a PIDE colocou aqui dois inspetores expressame­nte para os vigiar e o padre alertava o povo, para que não se desse com eles”, conta António Carlos Serra, que não tem dúvidas: “Foi uma pequena rutura na pacata vida da Ericeira de então.”

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