Diário de Notícias

“Depois do Tchaikovsk­y, este era o sítio certo para vir”

Jovem violinista coreana Clara- Jumi Kang escolheu o Festival de Marvão para se estrear em Portugal. E espera voltar em breve

- B E R NARDO MARI A NO

Tocou no ventoso concerto de abertura do festival e toca no dia de encerramen­to, mas numa igreja: nesta tarde ( 16.00), ao lado do pianista Julian Riem, Clara interpreta­rá obras de Grieg, Debussy, Vianna da Motta e Hubáy. Aos 28 anos, esta coreana residente em Munique chegou a Marvão “fresquinha” com um 4. º Prémio ( não houve vencedor) obtido no famoso Concurso Tchaikovsk­y de Moscovo: “Depois do Tchaikovsk­y, este era o sítio certo para vir. É tão pacífico. É como se estivesse de férias!” Com ela, o Stradivari­us “ex- Strauss”, de 1708. Como todos os seus violinos, este chama- se Lara ( a mãe criou a tradição).

Após um mês a viver em Moscovo por causa do concurso, são ainda muito vívidas as impressões que guarda: “Foi um longo mês e uma experiênci­a muito gratifican­te e intensa. Estive quase isolada do mun - do e, depois do concurso, tenho recebido imensos mails e mensagens e telefonema­s [ confidenci­ou não estar em qualquer rede social] de pessoas a felicitare­m- me e a dizerem o quanto gostaram de me ouvir!” O 4. º Prémio não a deixou frustrada, pois “não me interessa muito, porque não é isso que conta, no fim” e pergunta por sua vez: “Quantos vencedores do 4. º Prémio se sentirão tão felizes como eu agora?... As pessoas esperam que eu diga algo de negativo [ Clara era apontada como muito possível vencedora], mas não o direi, porque não o sen-

Clara- Jumi Kang atuou na abertura do festival, no pátio do castelo ti.” Os frutos do concurso estão alhures: “Obter mais concertos, fazer contactos, conseguir um agente, isto é, obter os meios necessário­s para mostrar o meu talento ao máximo público possível.”

Clara teve um percurso muito sui generis: os pais, cantores líricos, foram para a Alemanha ( ela nasceu em Mannheim), ela foi uma criança- prodígio – embora diga que nunca se sentiu tal –, batendo recordes de precocidad­e no violino – entrou, por exemplo, para uma escola superior na Alemanha aos 4 anos! –, mas uma lesão sofrida aos 11 anos no mindinho da mão esquerda fez que abandonass­e o violino durante mais de três anos. Quando, contra muitos prognóstic­os médicos, recuperou e voltou, já era uma jovem violinista “a sério”.

A vivência alemã não a aculturou: “Sou cem por cento coreana, tal como os meus pais. Andei numa universida­de coreana [ não a dos 4 anos] e sinto uma ligação muito especial com aquela terra. Adoro tocar lá, tenho muitos amigos lá e sinto- me coreana.” Compatriot­a de compositor­es eruditos como Isang Yun ( 1917- 95), Unsuk Chin ( n. 1961) ou Younghi Pagh- Paan ( n. 1945), isso ainda não a motivou a tocá- los: “Toquei e gravei uma obra de um outro compositor, chamado Young Jo Lee, mas encomendar, ainda não. Acho que é algo que tem de ser mútuo, não posso ser eu a bater à porta e dizer: ‘ Escreva- me uma peça!’ Seja como for, ainda tenho tempo e há muitas obras do repertório que me falta aprender, por isso… Mas virá naturalmen­te.”

Até final do ano, o itinerário de Clara passa por “vários concertos e recitais na Rússia [ os ‘ frutos’ do concurso…], uma digressão com piano nos EUA e um concerto na sala Suntory, em Tóquio [ a mais famosa da cidade]”. E ainda sobrará tempo para “a minha segunda gravação para a Decca [ a primeira, Modern Solo, só foi editada no Extremo Oriente], com o pianista Yeoleum Son, que terá sonatas de Pro - kofiev ou de Beethoven. Ainda não decidimos.”

Em 2016, avança, “acho que vou tocar mais vezes na Europa”. Talvez em Portugal. Desejo não lhe falta: “Estive em Lisboa dois dias a ensaiar com a Orquestra Gulbenkian e gostei imenso da atitude da orquestra e da atmosfera dos ensaios. Pensei logo: gostaria de voltar a Lisboa e tocar nesta sala [ o Grande Auditório] – onde não há vento! [ risos]”

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