Cada vereador paga 25 euros por dia até demolição de prédio
O tribunal de Loulé decidiu que houve ilegalidades na construção de uma urbanização e mandou fazer demolições. Mas as casas foram compradas há dez anos e os proprietários nunca tinham sido informados do processo
Um construtor conseguiu fazer aprovar mudanças num complexo de Olhos de Água e fez 28 apartamentos a mais. Os proprietários compraram as casas há dez anos, mas só agora souberam que havia problemas legais. O tribunal anulou a operação há dois anos e a câmara não cumpriu a ordem de demolição. Agora, os autarcas pagam multas do próprio bolso.
Está a sair das carteiras do presidente e vereadores do executivo da Câmara de Albufeira o incumprimento de uma ordem judicial que manda deitar abaixo dois edifícios no concelho. Por cada dia que passa sem essa decisão ser cumprida, os elementos do executivo pagam, cada um, 25 euros. “Fui apanhado no meio de uma decisão judicial e agora tenho de a cumprir e pagar cerca de 750 euros por mês”, confirmou ao DN Carlos Silva e Sousa, advogado e atual presidente da câmara, eleito pelo PSD em 2013.
Em causa estão 28 apartamentos da urbanização Roja Pé, em Olhos de Água que, de acordo com uma decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, foram ilegalmente construídos por violarem normas do Plano Diretor Municipal e que agora devem ser imediatamente demolidos. As casas têm todas donos e foram adquiridas por valores entre 100 mil e 150 mil euros. O caso remonta a 2002, nu - ma altura em que o presidente da autarquia era o social- democrata Desidério Silva, atual responsável pelo Turismo do Algarve.
Nesse ano, um construtor decidiu alterar um projeto que previa a construção de quatro edifícios e uma área de lazer, fazendo em vez disso cinco prédios. Foi pedida uma alteração ao alvará inicial e o espaço lúdico passou a ser ocupado por duas moradias. No lugar da zona verde, um novo edifício.
Nasceram assim as fundações de um prédio num espaço que devia ser ocupado com jardim, piscina e parque infantil comunitários. Com as obras a decorrer, os proprietários da meia dúzia de vivendas vizinhas intercederam junto da Inspeção- Geral da Administração do Território ( IGAT) no sentido de os trabalhos serem embargados, o que conseguiram.
A situação manteve- se por quase dois anos, findos os quais o embargo foi levantado. Um morador que não quis identificar- se disse ao DN que, nessa altura, o construtor terá negociado com os queixosos no sentido de “como contrapartida a fecharem os olhos, receberem um apartamento”. A câmara deferiu os projetos de construção dos dois lotes e depois, em 2005, deu luz verde aos pedidos de alteração dos projetos iniciais. O urbanizador quis e conseguiu construir mais apartamentos. O assunto parecia estar encerrado mas o Ministério Público levou- o ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, contestando a legalidade dos procedimentos da autarquia.
A sentença deste caso foi proferida em 2011 e transitou em julgado em 2013. O tribunal declarou nulos os procedimentos que permitem alterações ao alvará de loteamento, autorizam a construção dos lotes 4 e 5 e, mais tarde, aprovam as alterações aos projetos de construção desses lotes.
Em consequência, foram ordenadas a reposição do alvará nas condições em que foi aprovado, a diminuição da área de construção excessiva e do número de pisos excedentes no lote 4,e a reafetação do uso do lote 5, sempre em consonância com a versão original do alvará de loteamento. E ficou fixado o prazo de 120 dias para a câmara dar cumprimento à decisão.
Agora, é preciso deitar abaixo um edifício com 16 apartamentos e o último piso de outro bloco, com mais 12 fogos e, por cada dia que passa sem que a sentença seja cumprida, presidente e vereadores pagam, ca - da um, 25 euros do seus bolsos. Desde que a sentença transitou em julgado, há dois anos, a autarquia mais não fez do que cassar as licenças de habitabilidade e o tribunal exige que a decisão seja cumprida na íntegra. E decidiu que os atuais vereadores paguem essa multa. Moradores à procura de ajuda Os moradores já começaram a ser contactados pelo município e questionam- se: “E agora? O que é que vai acontecer às nossas casas?”
A decisão afeta não só os proprietários dos 28 apartamentos, mas também outros 36, residentes nos apartamentos do lote n. º 4 onde será eliminado o último piso. Céu Santos disse ao DN: “A minha casa não está na lista das que vão abaixo mas, como todo o andar de cima é para cair, como é que vai ficar a estrutura do prédio?”
Alguns fogos são residências de férias, outros são de habitação permanente. Os titulares dos imóveis alegam que nunca souberam que havia problemas com os prédios. Em casa de Andreia Guerreiro vivem todo o ano dois adultos e uma criança de 6 anos e no apartamento ao lado moram os pais. “Nunca fomos informados de nada deste processo, só na passada terça- feira recebemos uma notificação da câmara a dizer que as licenças tinham sido cassadas há dois anos. Porque é que nunca tivemos essa informação, porque é que continuamos a pagar o IMI?” Um pouco mais emocionada, revela: “Tenho um empréstimo bancário a 40 anos, paguei 10 anos e ainda faltam 30. Já me informei e, mesmo que a casa seja demolida, tenho de continuar a pagá- la…”
A obra foi feita durante o mandato de Desidério Silva, o qual argumenta que “as aprovações foram todas tomadas tendo por base os pareceres técnicos e jurídicos necessários”.
Carlos Silva e Sousa, o atual presidente, é que vai ter de cumprir as ordens do tribunal . “A obra é mesmo para vir abaixo e já tenho alguns orçamentos que rondam 500 mil euros”, revelou ao DN. Questionado sobre eventuais indemnizações aos moradores, acrescenta: “Será um número muito expressivo e não temos orçamento previsto para isso, mas são os proprietários que têm de fazer valer os seus direitos.” Os proprietários informaram o DN que já têm advogado e vão tentar avançar com uma providência cautelar.