O avô dos gelados com sentimento morreu há 20 anos
O italiano “afável” e “bonacheirão” que fundou, em 1949, os famosos Santini em Cascais dá hoje o nome a lojas em Lisboa e no Porto
Quando, há alguns dias, Eduardo Santini esteve com Juan Carlos, o anterior rei de Espanha não resistiu a contar ao neto do fundador dos Gelados Santini como, passadas mais de cinco décadas, recorda Attilio Santini e os gelados que, durante a sua juventude, comeu na praia do Tamariz. O Estoril, na linha de Cascais, era então casa de famílias reais, ministros e diplomatas, mas seria o modesto italiano que em 1949 cumprira o sonho de abrir uma geladaria a marcar o imagi - nário de quem ali viveu e passeou. O homem afável que, ao passar pelos clientes na loja os cumprimentava com um caloroso “va bene?”, morreu há 20 anos. Tinha 88 anos.
“O meu avô está sempre presente”, diz Eduardo Santini, um dos dois administradores dos Gelados Santini, sem conter a admiração por Attilio Santini ter deixado fotografias que parecem ter sido tiradas “de propósito” para promover a marca após a sua morte. Na loja de Carcavelos, inaugurada neste ano, vê- se na parede a imagem de um jovem compenetrado que, e ainda no Tamariz, parece terminar o fabrico de gelados. Noutra, escreve num quadro semelhante ao que ainda hoje exibe os sabores disponíveis.
Nascido em 1907 em Cortina d'Ampezzo ( Itália) numa família que já se dedicava à arte de fabricar gelados, Attilio Santini mudou- se para Portugal em 1945, a convite do cônsul João Moraes. Cá, começa por trabalhar na confeitaria Riviera, que troca depois pela fábrica Elba. É por esta altura, em 1947, que aprende a fazer cones de bolacha. Dois anos depois, abre a loja na praia do Tamariz e cumpre o seu sonho. A loja fecharia em 1961, mas, por essa altura, já abrira a de Cascais, que, uma década depois, se transferiria para a Avenida Valbom, onde ainda hoje funciona. Só após a sua morte abriram os outros seis estabelecimentos da marca, entre eles os do Chiado, em Lisboa ( 2010), e do Porto ( 2015).
Esta última, frisa Eduardo Santini, tem “superado as expectativas” e não tem faltado quem, apesar dos 350 quilómetros que separam a Invicta de Cascais, se recorde do gelado que comia a sul e de Attilio Santini, o homem que o neto recorda, na sua vida profissional, como defensor de que “um aperto de mão vale muito”. “Toda a gente gostava muito de falar com ele”, recorda ao DN o administrador de 38 anos, que saiu diretamente da maternidade para a geladaria. Seria ali que aprenderia que, tão ou mais importante do que os ingredientes é o “sentimento” que se põe no gelado. A máxima ainda é seguida pelo neto de um “homem à antiga”, “muito carinhoso” e “muito avô” na esfera privada. Uma descrição que corrobora a imagem pública do italiano cuja casa, por cima da loja do Tamariz, era utilizada pelos membros da família real para a troca do fato de banho.
Esquecida está a fama de rico que adquiriu devido ao êxito do negócio e com a qual brincava. A prová- lo, a garantia de que fechava à segunda- feira para comer lagosta e o convite para, aquando do encalhamento na zona da Guia do Hildebrand, verem na baía o iate que, dizia- se, comprara e batizara de Santinia. Em vez disso, havia um homem modesto que apoiava instituições de solidariedade social e oferecia gelados às crianças no aniversário da sua filha. Gestos simpáticos de um italiano “bonacheirão” e que perduram na memória de que ir ao Santini é um ritual de família, seja em Cascais, em Lisboa ou no Porto. Em todas, o lema continua a ser i gelati più fini del mondo – os melhores gelados do mundo. Em sentimento, algo que Attilio Santini tanto privilegiava, podem bem sê- lo.