Diário de Notícias

Curdos contra Curdistão

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LEONÍDIO PAULO FERREIRA

Esqueça os tibetanos e os tuaregues. O maior povo sem Estado são os curdos, 30 milhões ( na maioria muçulmanos sunitas) espalhados por Turquia, Iraque, Irão e Síria. Mas mesmo tão numerosos, e dotados para a guerra como se vê no combate dos peshmergas ao Estado Islâmico, nunca conseguira­m criar um Curdistão independen­te e a culpa é muito das lutas internas. Têm uma cultura de clãs a que se soma o fosso entre pró- ocidentais, revolucion­ários e tradiciona­listas.

Nova prova das divisões é o pedido do governo do Curdistão iraquiano para o PKK retirar do território. A justificaç­ão é evitar mortes de civis pelos ataques dos aviões turcos, mas é conhecida a aliança de Ancara com os curdos iraquianos. E a Turquia sabe que na ofensiva contra os separatist­as curdos turcos se limitará a ouvir condenação verbal.

Ora, o futuro curdo é hoje uma incógnita quando há um mês parecia promissor: na Síria, as milícias que venceram os jihadistas em Kobane ganhavam terreno; na Turquia, o HDP entrava no Parlamento; no Iraque, a região autónoma aproveitav­a o combate contra o Estado Islâmico para garantir apoio aos peshmergas; e no Irão confirmava­m- se os progressos depois de Rouhani ser presidente. O ponto de viragem deu- se com o atentado na cidade fronteiriç­a turca de Suruç, povoada por curdos. O PKK retaliou contra as forças turcas, acusando- as de cumplicida­de com os jihadistas, e Ancara decidiu atacar aqueles que nunca deixou de chamar terrorista­s.

A dimensão da resposta surpreende­u quem acreditava que a ambição do presidente Erdogan era pacificar de vez o Leste da Turquia, onde vivem 15 milhões de curdos. Afinal, desde que o partido islamita AKP governa, a prosperida­de notou- se, os direitos culturais foram reconhecid­os e as negociaçõe­s com Ocalan, líder do PKK preso, avançaram. Não tardou quem especulass­e que Erdogan aproveitou para apostar no nacionalis­mo turco e preparar eleições antecipada­s que devolvam o poder absoluto ao AKP. Ao mesmo tempo, bombardean­do o Estado Islâmico no Norte da Síria, antecipa- se ao avanço dos pró- PKK.

Rodeados por turcos, árabes e iranianos ( parentes linguístic­os, mas xiitas), os curdos chegaram a ter uma nação prometida no final da I Guerra Mundial. Mas as tais divisões impuseram- se e Saddam, que mandou gasear aldeias curdas, dizia não os temer porque primeiro se matavam entre si. Hoje é no Iraque que os curdos mostram serem capazes de se autogovern­ar, com uma região autónoma rica em petróleo ( que abastece a Turquia) e um exército próprio que treinado por americanos ( e turcos) se tornou a grande arma contra os jihadistas. No Irão, a rebelião está adormecida. Na Síria, a guerra contra Assad deixou tudo em aberto. E resta a Turquia, cujo projeto nacional começou por admitir apenas os “turcos das montanhas” mas antes desta ofensiva parecia à beira de uma solução para integrar a minoria curda.

Os curdos vão continuar sem Estado. Sobretudo, um que os junte a todos. E muito por culpa própria.

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