Diário de Notícias

FOLHETIM PORTAS PEDE REUNIÃO SECRETA NO RATO

- Por Anónimo

Setembro de 2015, ainda a campanha eleitoral não começou, e já o líder do CDS quer revogar tudo o que todos estão à espera... Toda a semelhança com a realidade é mera coincidênc­ia, até porque não há ficção política com imaginação capaz de imitar a realidade atual

LLogo que tomou a decisão, Paulo Portas deu- se conta de que a primeira pessoa em quem pensou para o ajudar não era do CDS. Bagão Félix não era militante do partido, embora tenha servido, pelos centristas, em vários governos. Não neste, do qual era um adversário público, em jornais e televisões, mas Portas gostava sempre de o ouvir. Ainda em julho, quando se preparou para uma entrevista à SIC, aconselhar­a- se com ele. Nessa altura, a ideia que agora o alvoroçava ainda não germinara. “O Bagão havia de gostar do germinar, ele que tem a mania das árvores...”, pensou Portas quando já tinha o telemóvel na mão. O que tinha de ser feito era urgente. Dali a só duas semanas, a 20 de setembro abria a campanha eleitoral... Fez a chamada. – Precisava dum favor seu. Arranja- me um encontro com o António Costa? Discreto... Confirmou que tinha batido à porta certa quando do telemóvel o pedido veio devolvido com uma pergunta: “Sabe o que, em França, se fica logo a saber do tipo nomeado para ministro dos Assuntos Parlamenta­res?” Com o velho Bagão era sempre assim, tinha tiradas inesperada­s como os óculos excêntrico­s que uma vez usou num filme do João Botelho. Paulo Portas estava impaciente mas ouviu a explicação do amigo e conselheir­o. E este divagou: em França, desde a III República, convencion­ou- se que o tal ministro tinha de ser maçon. Sempre. Uma ligação secreta e transversa­l a todos os partidos era ideal para fazer pontes, combinar votações improvávei­s e... marcar encontros. Portas sorriu. Era por isso que gostava do seu conselheir­o, ele era fino. – Quer que seja eu a fazer os contactos porque sou católico, não é? E quer que eu vá por aí... Está bem, sei com quem falar na Capela do Rato. Portas sorriu ao desligar o telemóvel. Como de costume, estava contente consigo próprio e tinha a delicadeza de sempre o fazer saber ao principal interessad­o, ele. Horas depois, recebeu um sms: “Domingo à tarde. Pode ser?” Confirmou a data: 6 de setembro de 2015. Talvez esse dia ainda viesse a ficar nos livros de História, mas já Portas não fazia por menos: sim, constaria dos anais. “OK”, respondeu. Bagão sondara o padre José Tolentino Mendonça, capelão da Capela do Rato, que logo disse estar disponível. Foi o padre- poeta que lembrou o Ascenso Simões, um socialista transmonta­no que, semanas antes, dissera que “o Papa Francisco em Portugal votaria no PS”. Ascenso era o diretor de campanha do PS, ideal para o contacto com o líder. António Costa tinha sido um especialis­ta de encontros clandestin­os quando, jovem sampaísta, um quarto de século atrás, se batia com os guterrista­s, numa daquelas lutas internas com que o PS sempre se deleitou. Mas eram tempos passados. Hoje, se alguém queria um encontro e pedia discrição – acontecera com frequência, antes de ele arrebatar o partido a Seguro –, Costa oferecia- se até, caso valesse a pena, para ser ele a deslocar- se. Mas Bagão Félix percebera que a Capela do Rato era importante para o seu amigo. A célebre vigília da passagem do ano de 1972 – além de ter sido um marco que consagrou os católicos na oposição ao regime ditatorial – fora preparada pelos amigos do pai dele, Nuno Portas, os católicos de esquerda Nuno Teotónio Pereira, Luís Moita, Jorge Wemans... Não eram da área política que Paulo Portas iria perfilhar desde a adolescênc­ia mas eles significar­am um momento. Bom em sound bites, em frasezinha­s que iluminavam os seus discurso, o líder do CDS sabia que também a simbologia permitia rapidament­e propagar uma ideia. A Capela do Rato com o seu passado e a bizarra coincidênc­ia de fazer paredes- meias com a sede do PS era um lugar precioso. Lendo o desejo do amigo, Bagão Félix insistiu com o seu interlocut­or para o encontro ser lá. Talvez Costa não confiasse tanto na argúcia de Ascenso Simões como Portas na de Bagão. Entre os socialista­s os sms foram trocados com maior intensidad­e, porque o líder não quis largar o controlo da preparação do encontro. Do assunto que o outro queria debater, disso, nem tentou saber. Portas, evidenteme­nte, não revelaria, não ia perder a iniciativa de surpreende­r. Mas o socialista fez finca- pé no local, um pouco por jogo. O ministro podia entrar pela Capela do Rato, na rua solitária que ladeava o palácio, calçada discreta. O supermerca­do Pingo Doce fronteiro, apesar de aberto ao domingo, era pouco frequentad­o. Mas da capela Portas teria depois de ir para a sede do PS, onde seria o encontro. Quando o diretor de campanha socialista lhe trouxe a resposta, Bagão reviu mentalment­e o local. As traseiras da capela davam para os jardins do Palácio Marquês da Praia, a tal sede, mas entre ambos havia um muro alto, talvez de cinco metros. Ele estava a ver o seu amigo Portas, entusiasma­do, a subir num escadote, do lado da capela. Já o via mal a descer do outro lado, também de escadote, para os jardins socialista­s. Ninguém desce um escadote com dignidade... Ele sabia o valor que o líder centrista atribuía ao simbolismo. O encontro tinha chegado a um impasse ainda antes de

acontecer... Foi então que o padre Tolentino foi à sacristia da Nossa Senhora da Bonança, a santa a que estava dedicada a capela, e trouxe de lá uma chave grossa de que nunca soubera o préstimo. Foi às traseiras, dirigiu- se ao muro e a um pequeno portão de ferro, escondido ao lado dum anexo. Meteu a chave, rodou- a, venceu a ferrugem e a inércia de décadas e espreitou. Estava ao lado do tanque com nenúfares, na parte superior do jardim do palácio. Voltou a fechar devagarinh­o e levou a boa nova aos dois conspirado­res. Podiam avisar os líderes de que havia passagem para o encontro. Por sms – “3 da tarde, domingo” –, ficou agendada a conversa que iria, talvez, mudar toda a campanha eleitoral. Até àquele domingo, 6 de setembro, António Costa iria ficar muito, muito intrigado...

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