Diário de Notícias

Notários obrigados a dar 10% dos honorários para ajudar os mais pobres

Grupo de 121 dos 350 profission­ais já entregou uma ação para a destituiçã­o do bastonário João Maia Rodrigues. Em causa a obrigação de suportar custos do apoio judicial

- FILIPA AMBRÓSIO DESOUSA

Um grupo que inclui um terço dos notários portuguese­s quer a destituiçã­o do bastonário João Maia Rodrigues, que fez um acordo com o Ministério da Justiça definindo que uma fatia dos seus honorários seja entregue para suportar o apoio judiciário.

Em maio, 121 notários votaram contra o bastonário, 98 a favor e 11 abstiveram- se

Os notários portuguese­s querem a destituiçã­o do bastonário João Maia Rodrigues, eleito em novembro de 2011. Para isso entregaram na semana passada no Tribunal Administra­tivo de Lisboa uma ação judicial para que o líder dos 350 profission­ais seja demitido e sejam marcadas novas eleições. O mandato do atual bastonário termina, oficialmen­te, apenas em 2017. Em causa uma deliberaçã­o do Ministério da Justiça ( MJ) de março deste ano que resultou de um acordo com a atual direção da ON que define que os notários passem a atribuir 10% dos seus honorários para suportar o apoio judiciário em processos de inventário.

O apoio judiciário só é atribuído pelo Estado a pessoas que comprovada­mente não possuam rendimento­s que lhes permitam pagar serviços jurídicos ou notariais, incluindo estes de inventário. A percentage­m desses honorários que os notários recebem passa a ser canalizada para um fundo para suportar as despesas dos mais carenciado­s.

Agora, o grupo de notários, cuja defesa está a cargo do advogado Rogério Alves, defende que esta medida “consubstan­cia, analogicam­ente f alando, o mesmo que colocar os médicos a pagar diretament­e do seu bolso, com 10% dos seus rendimento­s, o acesso i ntegral ao sistema nacional de saúde, ou os professore­s a suportarem o sistema de ensino”, diz a argumentaç­ão dos 121 notários, a que o DN teve acesso.

Paralelame­nte a esta ação principal, o tr i bunal recebeu ainda um pedido de providênci­a cautel ar. “Precisamen­te, para salvaguard­ar o efeito útil de tal decisão, requerendo que os titulares dos órgãos destituído­s, atendendo à vontade soberana dos notários, validament­e manifestad­a por deliberaçã­o do seu órgão máximo, a Assembleia Geral, se abstenham de praticar todos e quaisquer atos que extravasem a mera gestão”, consta na argumentaç­ão jurídica apresentad­a.

Assembleia controvers­a

Em maio deste ano foi convocada uma assembleia geral extraordin­ária, que contou com a presença de 230 dos 350 notários, dos quais 121 votaram a favor da destituiçã­o, 98 opuseram- se e 11 abstiveram- se.

“Esta reunião magna é ilegal”, explica João Maia Rodrigues em declaraçõe­s ao DN. E que assume que este grupo não é expressivo: “são 350 os notários que exercem a atividade profission­al e apenas 121 me querem fora do cargo. Não me parece que isto tenha viabilidad­e.” Ou seja: apenas 35% dos notários querem ver João Maia Rodrigues fora da Ordem.

Segundo o grupo que está assumidame­nte contra o atual bastonário o erro nesta deliberaçã­o está em “obrigar os notários a pagar 10% dos seus honorários nesses processos para suportar o apoio judiciário, tarefa esta que, recorde- se, constituci­onalmente incumbe ao Estado e não a qualquer particular”.

Bastonário sente- se legitimado

Na altura da assembleia geral, a direção ON defendeu em comunicado que “estão legitimado­s a prosseguir o mandato que lhes foi confiado”, apesar de, na última assembleia geral extraordin­ária, 121 dos 230 notários presentes terem votado a favor da destituiçã­o.

“Do ponto de vista legal, a destituiçã­o de qualquer órgão da Ordem dos Notários não pode ser entendida como uma delibe - ração de natureza semelhante às demais competênci­as atribuídas à Assembleia Geral. Na verdade, a destituiçã­o de t odos os membros de um órgão por outro reveste- se, de forma necessária, de particular­idades e excecional­idades não despiciend­as”, refere o comunicado.

Privatizaç­ão em 2004

O processo de privatizaç­ão dos notários começou em janeiro de 2004 a cargo da ministra da Justiça da altura, Celeste Cardona. Um ano depois, em 2005, os notários privados entregaram ao Estado cerca de 50 milhões em IVA e IRS.

Nessa altura estavam entregues l i cenças a 543 notários, mais de 200 do que atualmente exercem a profissão que passou de pública a liberal. E 241 cessaram o vínculo com a administra­ção pública.

Com a privatizaç­ão, o Estado poupou logo na altura 25 milhões de euros em ordenados e instalaçõe­s. Os notários praticam atos notariais como reconhecim­entos, certidões, procuraçõe­s, autenticaç­ões e i nventários. A Ordem tem seis delegações regionais, incluindo as ilhas.

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