Notários obrigados a dar 10% dos honorários para ajudar os mais pobres
Grupo de 121 dos 350 profissionais já entregou uma ação para a destituição do bastonário João Maia Rodrigues. Em causa a obrigação de suportar custos do apoio judicial
Um grupo que inclui um terço dos notários portugueses quer a destituição do bastonário João Maia Rodrigues, que fez um acordo com o Ministério da Justiça definindo que uma fatia dos seus honorários seja entregue para suportar o apoio judiciário.
Em maio, 121 notários votaram contra o bastonário, 98 a favor e 11 abstiveram- se
Os notários portugueses querem a destituição do bastonário João Maia Rodrigues, eleito em novembro de 2011. Para isso entregaram na semana passada no Tribunal Administrativo de Lisboa uma ação judicial para que o líder dos 350 profissionais seja demitido e sejam marcadas novas eleições. O mandato do atual bastonário termina, oficialmente, apenas em 2017. Em causa uma deliberação do Ministério da Justiça ( MJ) de março deste ano que resultou de um acordo com a atual direção da ON que define que os notários passem a atribuir 10% dos seus honorários para suportar o apoio judiciário em processos de inventário.
O apoio judiciário só é atribuído pelo Estado a pessoas que comprovadamente não possuam rendimentos que lhes permitam pagar serviços jurídicos ou notariais, incluindo estes de inventário. A percentagem desses honorários que os notários recebem passa a ser canalizada para um fundo para suportar as despesas dos mais carenciados.
Agora, o grupo de notários, cuja defesa está a cargo do advogado Rogério Alves, defende que esta medida “consubstancia, analogicamente f alando, o mesmo que colocar os médicos a pagar diretamente do seu bolso, com 10% dos seus rendimentos, o acesso i ntegral ao sistema nacional de saúde, ou os professores a suportarem o sistema de ensino”, diz a argumentação dos 121 notários, a que o DN teve acesso.
Paralelamente a esta ação principal, o tr i bunal recebeu ainda um pedido de providência cautel ar. “Precisamente, para salvaguardar o efeito útil de tal decisão, requerendo que os titulares dos órgãos destituídos, atendendo à vontade soberana dos notários, validamente manifestada por deliberação do seu órgão máximo, a Assembleia Geral, se abstenham de praticar todos e quaisquer atos que extravasem a mera gestão”, consta na argumentação jurídica apresentada.
Assembleia controversa
Em maio deste ano foi convocada uma assembleia geral extraordinária, que contou com a presença de 230 dos 350 notários, dos quais 121 votaram a favor da destituição, 98 opuseram- se e 11 abstiveram- se.
“Esta reunião magna é ilegal”, explica João Maia Rodrigues em declarações ao DN. E que assume que este grupo não é expressivo: “são 350 os notários que exercem a atividade profissional e apenas 121 me querem fora do cargo. Não me parece que isto tenha viabilidade.” Ou seja: apenas 35% dos notários querem ver João Maia Rodrigues fora da Ordem.
Segundo o grupo que está assumidamente contra o atual bastonário o erro nesta deliberação está em “obrigar os notários a pagar 10% dos seus honorários nesses processos para suportar o apoio judiciário, tarefa esta que, recorde- se, constitucionalmente incumbe ao Estado e não a qualquer particular”.
Bastonário sente- se legitimado
Na altura da assembleia geral, a direção ON defendeu em comunicado que “estão legitimados a prosseguir o mandato que lhes foi confiado”, apesar de, na última assembleia geral extraordinária, 121 dos 230 notários presentes terem votado a favor da destituição.
“Do ponto de vista legal, a destituição de qualquer órgão da Ordem dos Notários não pode ser entendida como uma delibe - ração de natureza semelhante às demais competências atribuídas à Assembleia Geral. Na verdade, a destituição de t odos os membros de um órgão por outro reveste- se, de forma necessária, de particularidades e excecionalidades não despiciendas”, refere o comunicado.
Privatização em 2004
O processo de privatização dos notários começou em janeiro de 2004 a cargo da ministra da Justiça da altura, Celeste Cardona. Um ano depois, em 2005, os notários privados entregaram ao Estado cerca de 50 milhões em IVA e IRS.
Nessa altura estavam entregues l i cenças a 543 notários, mais de 200 do que atualmente exercem a profissão que passou de pública a liberal. E 241 cessaram o vínculo com a administração pública.
Com a privatização, o Estado poupou logo na altura 25 milhões de euros em ordenados e instalações. Os notários praticam atos notariais como reconhecimentos, certidões, procurações, autenticações e i nventários. A Ordem tem seis delegações regionais, incluindo as ilhas.