Diário de Notícias

As avós italianas que fizeram um crowdfundi­ng para irem ver o mar

Vivem numa aldeia dos Alpes, têm uma média de idades de 80 anos e a maioria nunca tinha visto o mar. Agora fizeram- se à estrada e foram à Croácia para realizar o sonho

- F I LO MENA NAV E S

As avós de Daone, funne, como se chamam a si próprias – a palavra para mulheres no dialeto da região de Trentino, no coração dos Alpes italianos, onde fica a aldeia –, já chegaram à Croácia... e começaram a desfazer as malas.

Foram elas que o anunciaram há dois dias na sua página do Facebook e é bem possível que estejam neste momento ocupadas a extasiar- se frente ao mar, que a maior parte delas nunca tinha visto antes. A viagem das excursioni­stas, cuja média de idades ronda os 80 anos, teve exatamente esse propósito: ir ver o mar. Mas até chegar aqui, as avós de Daone viveram várias peripécias que parecem saídas de um filme – um filme com final feliz.

A história conta- a Dany Mitzman, da BBC, que viu no projeto das funne alpinas uma espécie de remake à italiana do caso real de um grupo de mulheres do Yorkshire, no Norte de Inglaterra, que no final dos anos 90 do século XX se fizeram fotografar para um calendário de nus, para angariar fundos destinados à ala de leucemia do hospital local, depois de o marido de uma delas ter morrido da doença.

O caso foi adaptado ao cinema pelo realizador britânico Nigel Cole, em Calender Girls, de 2003, que passou em Portugal com o título Meninas do Calendário e valeu nesse ano o Globo de Outro para a Melhor Atriz a Helen Mirren.

As avós de Daone, na maioria viúvas, que pouco saíram da sua terra ao longo da vida, e que desde há anos se encontram duas tardes por semana no centro de dia local para jogar cartas, fazer renda e conviver, um dia lembraram- se: porque não ir até à costa ver o mar? A maioria delas nunca o tinha feito. E alguém alvitrou o exemplo das mulheres do Yorkshire para angariar os fundos necessário­s. Mas, neste caso, cada uma posou para uma foto que, recorrendo a fotomontag­ens, retrata as suas atividade preferidas.

Vitalina, por exemplo, é a rainha das compotas, Armida mostra- se como viajante do Barco do Amor e Iolanda segue, com uma bandeirinh­a na mão, a bordo de um avião de papel...

O calendário, infelizmen­te, não vendeu. E, nessa fase, já a do - cumentaris­ta italiana Katia Barnardi, interessad­a na história das idosas, estava a fazer um documentá- rio sobre elas, que intitulou Funne – Le ragazze che sognano il mare (“Funne – as raparigas que sonham o mar”), o mesmo nome que elas deram à sua página no Facebook.

O desaire dos calendário­s deixou- as num impasse, mas o neto de uma delas, Erminia, muito prático, aconselhou: “Façam um crowdfundi­ng.” Erminia, como ela própria confessou à BBC, achou a ideia ridícula. “Ninguém vai dar dinheiro a um bando de velhotas para elas irem à praia”, contestou. Mas Erminia estava enganada.

Em três dias, conseguira­m angariar mais do dobro do que estavam a pedir para financiar a sua excursão e com isso conseguira­m incluir mais uma série de companheir­as na aventura que decidiram que seria ir à Croácia, à ilha de Ugljan. A escolha pareceu- lhes perfeita, de- pois de a documentar­ista Katia Barnardi ter descoberto que a padroeira de Ugljan, Nossa Senhora das Neves, é a mesma de Daone. Katia disse à BBC que recebeu mensagens no Facebook de pessoas da Croácia que ouviram falar da história das avós alpinas e que se mostraram dispostas a ajudá- las e a acompanhá- las até ao mar, a acolhê- las nas suas casas e até a preparar festas, com baile e tudo, para as receber na ilha.

Tudo isso pode estar a acontecer agora mesmo, uma vez que as excursioni­stas já estão no destino.

Para agradecer aos que fizeram os seus donativos na internet – chegou- lhes dinheiro de paragens tão longínquas como Nova Iorque e cidades na Austrália –, as corajosas viajantes vão agora enviar um postal personaliz­ado a cada um dos 350 doadores que tornaram possível o seu sonho de ver o mar.

No Facebook, já há mesmo quem reclame o seu troféu. “Não vejo a hora de receber o postal”, escreve um deles. Outro, mais afoito, sugere: “E agora queremos as fotos em topless.”

Em topless muito provavelme­nte não, mas Erminia pretende ir à praia chapinhar, com a água pelo joelho. Sem riscos, porque, como ela confessou, nenhuma sabe nadar.

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