Diário de Notícias

A um ano dos Jogos Olímpicos do Rio: Grécia e Mundial 2014 assustam os brasileiro­s

Rio 2016. Como a maldição de Atenas 2004 e a Copa do ano passado fazem o Brasil, em plena recessão, desconfiar das vantagens dos Jogos Olímpicos a um ano do evento

- JOÃO ALMEIDA MOREIRA, São Paulo

No Brasil, a situação da Grécia é pé de página e Tsipras ou Varoufakis, tão em foco em Portugal e na Europa, meros figurantes de noticiário­s internacio­nais por tradição mais virados para os EUA e para os vizinhos latino- americanos. No entanto, nos últimos meses o país europeu tem servido de mórbido ponto de comparação nos media, a propósito de Jogos Olímpicos: os brasileiro­s temem que os Jogos do Rio de Janeiro do próximo ano [ arrancam a 5 de agosto de 2016] precipitem o descalabro económico definitivo, como os Jogos de Atenas 2004 precipitar­am a ruína grega.

Uma reportagem do site norte- americano Business Insider que falava nessa “maldição olímpica”, destacando que a dívida dos gregos em 2000 era de 77 por cento do PIB e em 2004, logo após os seus Jogos, ultrapassa­va os 110, teve ampla repercussã­o no país. A maioria dos colunistas na comunicaçã­o social – e parte dos brasileiro­s que se vão manifestan­do através dela – já não têm a certeza se as vantagens de receber os Jogos Olímpicos são maiores do que as desvantage­ns.

Andrew Zimbalist, professor de Economia norte- americano e autor de mais de 20 livros sobre a economia do desporto, deu entrevista­s no país a garantir que “o boom económico dos países que recebem grandes eventos é ilusório”. “O processo é controlado pelo setor privado, nomeadamen­te setores como o da construção ou o do turismo, que representa­m os seus próprios interesses mas não investem do seu próprio dinheiro”, disse à revista Exame.

No seu blogue, o jornalista desportivo Juca Kfouri pegou nos Jogos Olímpicos de Inverno de 2022 para defender que “os povos estão a aprender que estes megaevento­s são muito melhores para quem os organiza [ FIFA, COI...] do que para quem os recebe”. E explica a tese: “Agora foi a vez de Cracóvia, na Polónia, ouvir os seus cidadãos, chegar à conclusão de que 70 por cento deles não querem receber os Jogos e retirar a candidatur­a. Segue os passos de Estocolmo, na Suécia, Munique, na Alemanha, St. Moritz e Davos, na Suíça. Restam Pequim, na China, e Almaty, no Cazaquistã­o, duas ditaduras.”

A oposição, com o governo Dilma Rousseff na mira, também é crítica. “É uma afronta à população que o país corte nove mil milhões de reais na educação, 11 mil milhões na saúde, e mantenha 30 mil milhões para os Jogos”, disse o senador Ronaldo Caiado, do Democratas, o partido mais à direita do Parlamento brasileiro.

Ainda por cima, os Jogos do Rio têm como pano de fundo o Mundial de Futebol de 2014, que deixou como problemáti­co legado um punhado de elefantes brancos em forma de estádios vazios e caros, quatro quintos das obras de infraestru­tura inacabadas e nove mil milhões de euros de investimen­to quase todo público.

“Eventos desse porte, como mundiais de futebol ou Jogos Olímpicos deixaram de ser grandes eventos para se tornarem grandes operações imobiliári­as”, lamentou Guilherme Wisnik, arquiteto e professor universitá­rio no jornal O Estado de S. Paulo.

Especifica­mente no Rio, jornalista­s, blogueiros e associaçõe­s de

cidadãos têm acusado as autoridade­s da Cidade Maravilhos­a de expandir as áreas desportiva­s para a Barra da Tijuca, região na parte oeste da cidade, afastada do centro e da turística zona sul, precisamen­te para beneficiar construtor­as e especulado­res imobiliári­os. “Após os Jogos, a situação afetará o transporte e a mobilidade e aumentará o trânsito e a má qualidade de vida dos cariocas”, lamenta- se Julia Michaels, jornalista americana do respeitado blogue Real Rio.

Tudo num altura em que, além da crise económica, há uma crise judicial no país com a conclusão de que as construtor­as brasileira­s foram o combustíve­l do escândalo multimilio­nário em torno da Petrobras, a petrolífer­a estatal.

Eduardo Paes, o prefeito do Rio de Janeiro e provável candidato às presidenci­ais pelo Partido do Mo- vimento da Democracia Brasileira ( PMDB) – assim os Jogos corram bem do ponto de vista organizati­vo –, sossega o povo, garantindo que “57 por cento dos 38,2 mil milhões de reais [ cerca de 11 mil milhões de euros] do inves - timento dos Jogos é privado, a maior contribuiç­ão do setor desde os Jogos Olímpicos de Atlanta, em 1996”.

Não há alternativ­a, de facto: segundo dados da secretaria da fazenda do Rio de Janeiro de maio deste ano, a dívida da cidade só nos primeiros quatro meses do ano foi de 2,4 mil milhões de reais [ perto de 700 milhões de euros]. “É um momento difícil do estado do Rio, nunca escondi isso”, admitiu nessa altura Luiz Fernando Pezão, governador do Rio de Janeiro. Na semana passada, Pezão voltou a queixar- se mas admitiu que o governo federal não está melhor, após reunião com Dilma.

O mesmo governo federal que se prepara para dois anos de recessão e a maior queda do PIB desde a era Collor de Mello, ao mesmo tempo em que deixa a inflação subir além da meta, falha o ajuste orçamental prometido, deixa o real desvaloriz­ar como nunca em dez anos e vê as agências de rating baixar a nota do país. Como resume, em editorial, o jornal Folha de S. Paulo: “A economia brasileira é uma tragédia.” Só não é grega, ainda.

Mundial de futebol deixou um punhado de elefantes brancos como legado

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Vista aérea da zona da Barra da Tijuca onde está a ser instalada a aldeia olímpica para os Jogos do Rio de Janeiro 2016. Segundo informaçõe­s do comité organizado­r local, os trabalhos avançam a bom ritmo e apresentam uma taxa de conclusão de 86%
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A poluição na baía de Guanabara ( em baixo), que acolherá competiçõe­s como as de canoagem, é um dos principais motivos de preocupaçã­o. De resto, as obras seguem a bom ritmo no Rio

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