As mulheres que se fingiram noivas da jihad e burlaram o Estado Islâmico
Chechénia. Três chechenas que extorquiram dinheiro aos combatentes pela internet são acusadas de fraude e arriscam seis anos de prisão no seu país. Mas nas redes sociais são apelidadas de heroínas. Autoridades alertam para riscos
Tudo começou quando um combatente na Síria a contactou através das redes sociais pedindo- lhe que deixasse tudo e se juntasse ao Estado Islâmico. A jovem chechena disse- lhe que não tinha dinheiro para a viagem, mas para ele isso não era problema e transferiu- lhe dez mil rublos ( 145 euros) através de um sistema eletrónico. A falsa noiva da jihad aceitou o dinheiro e desapareceu da internet. Depois, criou novos perfis e repetiu a proeza com outros dois membros do grupo terrorista.
Maryam ( nome falso) contou a sua história ao tabloide russo Life News e explicou que só parou porque foi apanhada pela polícia. Tal como ela, foram detidas outras duas jovens que terão usado o mesmo esquema para burlar o Estado Islâmico. No total, as três ganharam cerca de três mil euros. Acusadas de fraude, podem ser condenadas a seis anos de prisão. Mas nas redes sociais são vistas como heroínas, por terem enganado o grupo sunita que controla parte da Síria e do Iraque.
“Estado Islâmico enganado por três raparigas por dinheiro, merecem uma medalha, não ser investigadas”, escreveu @PaulSmitheringa no Twitter. Há ainda quem as compare a Robin dos Bosques ou simplesmente as chame “heroínas”. Mas as autoridades deixam o aviso: “Não recomendo a ninguém que tente comunicar com criminosos perigosos, especialmente para conseguir dinheiro rápido.” A frase, citada pelo jornal Moskovsky Komsomolets, é da responsável da unidade da polícia chechena especializada na monitorização de sites à procura de provas de crimes Valery Zolotaryov, que detetou o caso – primeiro do género na Chechénia.
Os recrutadores do Estado Islâmico utilizam as redes sociais para procurar jovens de ambos os sexos e a Chechénia, uma república maioritariamente muçulmana na Rússia, é um dos locais de recruta. Estima--se que quatro mil ocidentais se tenham juntado ao Estado Islâmico nos últimos anos, incluindo este número pelo menos 550 mulheres que se tornaram noivas da jihad. As autoridades russas acreditam que pelo menos 1700 jovens russos ( a maio- ria deles da Chechénia) tenham feito a viagem.
A presença de combatentes estrangeiros na Síria e no Iraque gera preocupação nos países ocidentais, que temem que estes possam regressar com experiência de combate e o desejo de cometer atentados terroristas nos países de origem. Uma coligação internacional, liderada pelos EUA, tenta no terreno travar o avanço do Estado Islâmico. “Até que o martírio nos separe” Maryam reconheceu que, a certa altura, colocou a hipótese de viajar mesmo para a Síria. Contudo, resolveu não o fazer quando ouviu as histórias de outras mulheres que o fizeram. “Conheço muitas pessoas que foram, mas não sei de nenhuma a quem as coisas tenham corrido bem”, explicou a jovem ao Life News. Uma das recomendações do estudo “Até que o martírio nos separe” sobre as mulheres e o Estado Islâmico, publicado pelo Instituto para o Diálogo Estratégico, é precisamente o desenvolvimento de contranarrativas para fazer face à propaganda jihadista, destinadas especificamente ao sexo feminino.
O mesmo estudo, feito em colaboração com o Centro Internacional para o Estudo da Radicalização do King’s College de Londres, revela os três grandes fatores que levam as jovens ocidentais a deixar- se incentivar pela propaganda jihadista. Em primeiro lugar, o “sentimento de isolamento social ou cultural, incluindo questionar a pertença à cultura ocidental”. Depois, “sentir que a comunidade muçulmana internacional, como um todo, está a ser perseguida de forma violenta”. E, finalmente, “um sentimento de raiva, tristeza ou frustração em relação à falta de ação internacional em relação a essa perseguição”.
Curiosamente, diz o estudo, as razões são semelhantes às dos jovens do sexo masculino que vão combater. Já no caso dos fatores que atraem as mulheres –“metas idealistas de dever religioso e construção de um califado utópico, pertença a uma irmandade e romantização da experiência” – prendem- se mais com o papel que elas vão desempenhar. Uma vez em território controlado pelo Estado Islâmico, “a responsabilidade das mulheres é serem boas companheiras para os maridos jihadistas a quem foram prometidas e mães da próxima geração de combatentes”. Contudo, lembra o estudo, “estas mulheres também estão a desempenhar um papel crucial na disseminação da propaganda e na recruta de outras mulheres através das redes sociais”.