O que se segue à vida e à morte obscuras de mullah Omar
Nos finais de 1994 e durante grande parte de 1995 eu estive à porta da residência de Kandahar do mullah Mohammed Omar, líder do recém- formado movimento talibã, na esperança de conseguir uma entrevista com ele.
Conheci os seus motoristas, secretários, guarda- costas, comandantes e até mesmo o seu provador de alimentos ( ele temia ser envenenado). Fiquei a saber muita coisa sobre Omar, mas ele nunca me deu uma entrevista. Enquanto esteve no poder recusou quase todos os encontros com estrangeiros e era raro o combatente talibã que lhe conhecesse o rosto.
Segundo alguns talibãs importantes ele era tímido e retraído, recusando- se a ser fotografado ou a deixar qualquer outro registo para a posteridade. Há dúvidas sobre a autenticidade das poucas imagens no domínio público que se diz serem dele. Sob o seu regime, a televisão, os filmes e as imagens de pessoas e animais eram todos proibidos.
A humildade inicial deste simples pregador de aldeia era impressionante. Para dar as ordens aos seus comandantes ele sentava- se no chão de cimento da mansão do governador em Kandahar. Mais tarde acedeu a ficar numa frágil cama de rede enquanto os suplicantes se sentavam no chão. Por fim, Osama bin Laden, o líder da al- Qaeda morto em 2011, construiu uma sumptuosa casa à prova de bomba para ele. Omar comunicava através de ordens escritas em pedaços de papel. Os seus passes assinados que me permitiam viajar de cidade em cidade eram, a princípio, escritos em papel de embrulho ou em maços de cigarros.
A sua ingenuidade permitiu que ficasse encantado com Bin Laden, a quem deu asilo em 1996. Mesmo depois do 11 de Setembro recusou- se a desistir do líder da al- Qaeda e, como resultado, perdeu o seu país em 2001 com uma invasão dos EUA. Não voltou a ser visto em público após os atentados, mas presume- se que passou os últimos anos da sua vida no Paquistão.
A sua morte, anunciada por Cabul na semana passada, foi mantida em tão grande segredo como a sua vida. Nos últimos dias, o Paquistão, o Afeganistão e os talibãs tentaram cozinhar uma história digna de crédito, uma vez que atualmente se crê que Omar mor- reu há dois anos, com cerca de 56 anos de idade, num hospital de Carachi. Quando toda a gente mente é muito difícil descobrir a verdade no meio da obscuridade.
Segundo líderes talibãs e diplomatas ocidentais, os ser viços secretos paquistaneses ( ISI) protegeram- no, primeiro na cidade de Quetta e, em seguida, em Carachi. O próprio Paquistão parece relutante em admitir que Omar está morto.
Um pequeno grupo selecionado de dirigentes talibãs, incluindo o novo líder, o mullah Akhtar Mohammed Mansour de cerca de 50 anos, sabia da sua morte, mas não disse nada aos seus camaradas. Mansour e outros próximos do Paquistão estão a tentar esconder este subterfúgio alegando que Omar morreu há poucos dias.
Não é surpreendente que o mullah Mansour tenha sido apressadamente escolhido como o novo líder dos talibãs, uma vez que ele estava em contacto com Omar quando este era vivo ( e após a sua morte forjou mensagens em seu nome). No entanto, muitos comandantes de campo veem- no como um oportunista. O filho mais velho de Omar e outros talibãs já o denunciaram e exigiram uma sessão plenária do conselho de liderança para votar num sucessor. Pelo seu lado, o mullah Mansour fez um discurso de aceitação desafiador, pedindo a unidade nas fileiras e dizendo que a guerra da jihad continuará contra Cabul.
Algumas autoridades afegãs em Cabul suspeitavam certamente que Omar tinha morrido, mas ficaram em silêncio. Nos últimos meses, outros grupos radicais próximos dos talibãs, como o Movimento Islâmico do Uzbequistão e o Feday-e- Mahaz, um grupo separatista de linha dura, disseram que ele estava morto. As embaixadas ocidentais em Cabul presumiam a mesma coisa. Então, porquê o silêncio de tantos? A ISI e os seus protegidos talibãs não queriam perturbar o statu quo e arriscar uma luta pelo poder dentro do movimento talibã, algo que está a acontecer de qualquer maneira. A recente mudança positiva por parte dos militares do Paquistão na política de luta contra o terrorismo doméstico e no empenho em que haja negociações de paz entre Cabul e os talibãs necessitava da presença estabilizadora de um Omar ilusório no comando.
No Afeganistão, os políticos que suspeitavam da morte do líder talibã temiam as consequências, nomeadamente a possibilidade de um movimento talibã mais extremista ou o Estado Islâmico do Iraque e do Levante ( conhecido como ISIS) ganhar terreno.
O mullah Mansour não vai enconrar um caminho fácil. As negociações talibãs com Cabul, cujo início estava previsto para 31 de julho no Paquistão, foram adiadas.
Alguns talibãs, cansados das mentiras dos seus líderes, podem vir a juntar- se ao ISIS.
O melhor resultado para os afegãos seria que a maioria dos talibãs quisesse participar no processo de paz promovido por Cabul e Islamabad. Mas agora isso é improvável. A ameaça de um ISIS encorajado a correr para preencher o vazio está sempre presente.
Uma solução pacífica ainda é possível. Pelo seu lado, o Paquistão tem de agir com sabedoria e justiça, incentivando todos os talibãs a sentarem- se à mesa e não apenas os seus protegidos. Mas nunca devemos subestimar a capacidade do Afeganistão para emergir das sombras e mergulhar diretamente noutra guerra.
O melhor seria que a maioria dos talibãs aderisse ao processo de paz