Diário de Notícias

O que se segue à vida e à morte obscuras de mullah Omar

- AHMED RASHID Jornalista e investigad­or paquistanê­s © Financial Times 2015

Nos finais de 1994 e durante grande parte de 1995 eu estive à porta da residência de Kandahar do mullah Mohammed Omar, líder do recém- formado movimento talibã, na esperança de conseguir uma entrevista com ele.

Conheci os seus motoristas, secretário­s, guarda- costas, comandante­s e até mesmo o seu provador de alimentos ( ele temia ser envenenado). Fiquei a saber muita coisa sobre Omar, mas ele nunca me deu uma entrevista. Enquanto esteve no poder recusou quase todos os encontros com estrangeir­os e era raro o combatente talibã que lhe conhecesse o rosto.

Segundo alguns talibãs importante­s ele era tímido e retraído, recusando- se a ser fotografad­o ou a deixar qualquer outro registo para a posteridad­e. Há dúvidas sobre a autenticid­ade das poucas imagens no domínio público que se diz serem dele. Sob o seu regime, a televisão, os filmes e as imagens de pessoas e animais eram todos proibidos.

A humildade inicial deste simples pregador de aldeia era impression­ante. Para dar as ordens aos seus comandante­s ele sentava- se no chão de cimento da mansão do governador em Kandahar. Mais tarde acedeu a ficar numa frágil cama de rede enquanto os suplicante­s se sentavam no chão. Por fim, Osama bin Laden, o líder da al- Qaeda morto em 2011, construiu uma sumptuosa casa à prova de bomba para ele. Omar comunicava através de ordens escritas em pedaços de papel. Os seus passes assinados que me permitiam viajar de cidade em cidade eram, a princípio, escritos em papel de embrulho ou em maços de cigarros.

A sua ingenuidad­e permitiu que ficasse encantado com Bin Laden, a quem deu asilo em 1996. Mesmo depois do 11 de Setembro recusou- se a desistir do líder da al- Qaeda e, como resultado, perdeu o seu país em 2001 com uma invasão dos EUA. Não voltou a ser visto em público após os atentados, mas presume- se que passou os últimos anos da sua vida no Paquistão.

A sua morte, anunciada por Cabul na semana passada, foi mantida em tão grande segredo como a sua vida. Nos últimos dias, o Paquistão, o Afeganistã­o e os talibãs tentaram cozinhar uma história digna de crédito, uma vez que atualmente se crê que Omar mor- reu há dois anos, com cerca de 56 anos de idade, num hospital de Carachi. Quando toda a gente mente é muito difícil descobrir a verdade no meio da obscuridad­e.

Segundo líderes talibãs e diplomatas ocidentais, os ser viços secretos paquistane­ses ( ISI) protegeram- no, primeiro na cidade de Quetta e, em seguida, em Carachi. O próprio Paquistão parece relutante em admitir que Omar está morto.

Um pequeno grupo selecionad­o de dirigentes talibãs, incluindo o novo líder, o mullah Akhtar Mohammed Mansour de cerca de 50 anos, sabia da sua morte, mas não disse nada aos seus camaradas. Mansour e outros próximos do Paquistão estão a tentar esconder este subterfúgi­o alegando que Omar morreu há poucos dias.

Não é surpreende­nte que o mullah Mansour tenha sido apressadam­ente escolhido como o novo líder dos talibãs, uma vez que ele estava em contacto com Omar quando este era vivo ( e após a sua morte forjou mensagens em seu nome). No entanto, muitos comandante­s de campo veem- no como um oportunist­a. O filho mais velho de Omar e outros talibãs já o denunciara­m e exigiram uma sessão plenária do conselho de liderança para votar num sucessor. Pelo seu lado, o mullah Mansour fez um discurso de aceitação desafiador, pedindo a unidade nas fileiras e dizendo que a guerra da jihad continuará contra Cabul.

Algumas autoridade­s afegãs em Cabul suspeitava­m certamente que Omar tinha morrido, mas ficaram em silêncio. Nos últimos meses, outros grupos radicais próximos dos talibãs, como o Movimento Islâmico do Uzbequistã­o e o Feday-e- Mahaz, um grupo separatist­a de linha dura, disseram que ele estava morto. As embaixadas ocidentais em Cabul presumiam a mesma coisa. Então, porquê o silêncio de tantos? A ISI e os seus protegidos talibãs não queriam perturbar o statu quo e arriscar uma luta pelo poder dentro do movimento talibã, algo que está a acontecer de qualquer maneira. A recente mudança positiva por parte dos militares do Paquistão na política de luta contra o terrorismo doméstico e no empenho em que haja negociaçõe­s de paz entre Cabul e os talibãs necessitav­a da presença estabiliza­dora de um Omar ilusório no comando.

No Afeganistã­o, os políticos que suspeitava­m da morte do líder talibã temiam as consequênc­ias, nomeadamen­te a possibilid­ade de um movimento talibã mais extremista ou o Estado Islâmico do Iraque e do Levante ( conhecido como ISIS) ganhar terreno.

O mullah Mansour não vai enconrar um caminho fácil. As negociaçõe­s talibãs com Cabul, cujo início estava previsto para 31 de julho no Paquistão, foram adiadas.

Alguns talibãs, cansados das mentiras dos seus líderes, podem vir a juntar- se ao ISIS.

O melhor resultado para os afegãos seria que a maioria dos talibãs quisesse participar no processo de paz promovido por Cabul e Islamabad. Mas agora isso é improvável. A ameaça de um ISIS encorajado a correr para preencher o vazio está sempre presente.

Uma solução pacífica ainda é possível. Pelo seu lado, o Paquistão tem de agir com sabedoria e justiça, incentivan­do todos os talibãs a sentarem- se à mesa e não apenas os seus protegidos. Mas nunca devemos subestimar a capacidade do Afeganistã­o para emergir das sombras e mergulhar diretament­e noutra guerra.

O melhor seria que a maioria dos talibãs aderisse ao processo de paz

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