Diário de Notícias

Governo deixa proposta de lei da Marinha na gaveta

Executivo de Passos ignorou projeto que permitia colocar Polícia Marítima sob tutela de um chefe militar das Forças Armadas

- MANUEL C A R LO S F R E I R E

O governo vai terminar o mandato sem aprovar a proposta de lei orgânica da Autoridade Marítima Nacional ( AMN) feita pela Marinha. Desta forma, evita- se que a Polícia Marítima ( PM) seja tutelada por um chefe militar das Forças Armadas.

“O Ministério da Defesa tem por regra não comentar documentos de trabalho. Não está prevista a aprovação da referida legislação até final da presente legislatur­a”, disse ao DN fonte oficial, depois de na sexta- feira serem publicados os decretos regulament­ares das leis orgânicas das Forças Armadas ( em vigor desde o início do ano).

Aquela proposta de lei mandada preparar no final de 2014 pelo chefe militar da Marinha, almirante Macieira Fragoso, visava dar- lhe poderes como AMN que a lei não lhe atribui nem a Constituiç­ão permite – nomeadamen­te tutelar formalment­e a PM, quando as forças de segurança têm um quadro legal definido por competênci­a exclusiva da Assembleia da República.

Em pano de fundo está a continuada insistênci­a do ramo naval das Forças Armadas em assumir- se também como AMN, quando esta é uma estrutura civil do Ministério da Defesa onde foi integrada aquela polícia – que não tem lei orgânica que diga como se organiza, quais as competênci­as das suas várias estruturas ou o seu quadro de efetivos.

Registe- se que o chefe militar da Marinha, enquanto AMN, só tem poderes de coordenaçã­o das atividades da Direção- Geral da Autoridade Marítima ( DGAM) e da PM quando também estejam envolvidos meios militares daquele ramo. Dito de outra forma: é ao diretor- geral – cargo do Ministério da Defesa – que compete “dirigir e coordenar” as atividades da DGAM, enquanto o comandante- geral da PM é o seu “responsáve­l máximo”, logo está diretament­e dependente do ministro da tutela.

Quanto à proposta de lei orgânica da AMN, o texto posto a circular há poucos meses dizia no seu prólo- go que há “uma relação intrínseca e nuclear entre a AMN e a Marinha” – quando é suposto essa relação existir entre esse ramo militar e quaisquer autoridade­s ou forças de segurança portuguesa­s ou estrangeir­as a quem vá dar apoio operaciona­l ( PJ, GNR, SEF, ASAE, Guardia Civil espanhola ou Guarda Costeira grega, entre muitas outras).

A proposta dava ainda um poder específico ao chefe da Marinha em matéria de recurso hierárquic­o: “Conhecer das decisões do comandante- geral da PM em todas as matérias que não sejam de disciplina e inspeção daquela força policial.”

Por outro lado, a proposta atribuía à DGAM o poder de “supervisio­nar as ações que decorram das atribuiçõe­s da AMN no âmbito da Segurança Interna, com vista à garantia da segurança e tranquilid­ade públicas e proteção de pessoas e bens nos seus espaços de jurisdição” – o que é uma responsabi­lidade especifica­mente policial, sob tutela direta do governo.

Ministério Público alerta

Note- se que em dezembro passado, num comunicado conjunto com a associação dos profission­ais da PM, o Sindicato dos Magistrado­s do Ministério Público ( SMMP) alertava para “a inconformi­dade constituci­onal da orgânica da Polícia Marítima, já que, enquanto órgão de polícia criminal, depende do ramo naval das Forças Armadas”.

“O SMMP faz notar que a informação criminal carece de um tratamento cuidado, sendo inaceitáve­l qualquer ingerência militar na esfera da investigaç­ão criminal”, frisando que “a separação constituci­onal entre as forças de segurança e as Forças Armadas constitui um imperativo constituci­onal”.

Sobre a “exótica orgânica da PM face à contingênc­ia do comando policial se encontrar adstrito em exclusivo às Forças Armadas com base em inerências de funções”, o SMMP insistiu que aquela “força de segurança e órgão de polícia criminal não deverá estar dependente de qualquer autoridade administra­tiva ou militar”.

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