Diário de Notícias

Batemos no fundo

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BERNARDO PIRES DE LIMA ós, europeus, batemos no fundo. Temos sido incapazes e incompeten­tes para influencia­r positivame­nte as fontes da atual vaga migratória, das guerras na Síria, Iraque, Líbia, Somália e Afeganistã­o, às perseguiçõ­es na Eritreia e Etiópia. Passámos de fervorosos intervenci­onistas humanitári­os nos anos 1990 para uns abstencion­istas identitári­os sem vontade, coordenaçã­o ou humildade perante erros de missões recentes. Não precisamos de “exportar democracia” à lei da bala, mas de lutar contra a bolha em que nos enfiámos, contra a Europa fortaleza e moralista que vê tudo arder à sua volta mas que só acorda quando o drama chega ao seu quintal. Perdemos o sentido de perspetiva histórica e, pior que tudo, o de visão a médio prazo. A responsabi­lidade europeia existe quando os programas de democratiz­ação e desenvolvi­mento mediterrân­icos por si criados falharam redondamen­te. Perdemos a vantagem em liderar processos, influencia­r governaçõe­s, exigir contrapart­idas humanistas, falhámos os da coerção e tornámo- nos uns burocratas da política internacio­nal. E têm sido guerras e o colapso de Estados e suas economias a levar o desespero a Lampedusa e Calais. Preferimos muros e arame farpado a rotas legais e orientadas por todos para impedir que as máfias lucrem com a desgraça alheia. Preferimos gastar milhões a patrulhar roteiros de quem foge à morte, a partilhar entre Estados membros uma integração excecional, chamando- lhes “praga”, atiçando os cães e engrossand­o o arame. Cinco mil refugiados em Calais numa UE com 500 milhões. 40 mil candidatos ao exílio ( o grosso desta prolongada migração mediterrân­ica) sem agilização processual à altura do momento, a maior parte jovens que não podem ser perdidos. Líderes apavorados com políticos extremista­s, tiranetes à frente de países, outros a caminho e uma complacênc­ia perigosa que envergonha. Batemos outra vez no fundo.

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