Of Monsters and Men: a música quente da fria Islândia
Quem andar à procura de uma banda sonora para o verão, pode – e deve – rumar mais uma vez à fonte islandesa. Beneath the Skin é o regresso feliz dos OMAM à nossa companhia
Björk parece demasiado enredada nas experiências, esquecendo as canções. Emiliana Torrini arde em lume brando ou, se preferirem, encostou- se ao “banho- maria”. Os nunca por demais elogiados Sigur Rós atravessam um período que se assemelha a uma pausa sabática. Nada disto significa que a música da Islândia, esse espantoso país de pouco mais de 330 mil cidadãos, tenha solicitado uma trégua na lista de descobertas que o colocou no mapa da pop internacional. Bem pelo contrário: o verão que vivemos já chegou para renovar os votos de fidelidade com o novo conjunto- maravilha que veio do fr io, os Of Monsters and Men ( OMAM), liderados pela cantora, guitarris ta e autora Nanna Bryndís Hilmarsdóttir. Para os que traçaram a sentença de irrepetível ao álbum de estreia, My Head Is an Animal, a resposta dos artistas dificilmente poderia assumir maior clareza e maior categoria do que efetivamente acontece com Beneath The Skin.
O quinteto precisou de tempo, depois da consecutiva explosão de canções como Little Talks, Dirty Paws, Mountain Sound, King and Lionheart, bem como dessa pérola escondida chamada Slow and Steady, talvez o tema que maiores pontos de contacto apresenta com o segundo álbum. Afinal, uma banda sediada em Keflavik, cidade de oito mil habitantes, começara por ganhar uma “batalha de grupos” que os islandeses levam muito a sério para se verem com direito a presença destacada no festival de Folk de Newport ou na versão 2012 do insuspeito festival Lollapaloosa.
De repente, aquela rapaziada que ninguém conseguia arrumar com caráter definitivo do lado do folk ou no segmento do rock independente aparecia como convidada a escrever uma cantiga para a banda sonora de um blockbuster como The Hunger Games: Em Chamas, da saga que transforma Jennifer Lawrence ( também) numa heroína juvenil. Lado a lado com os islandeses, surgiam nomes como Coldplay, The National, Patti Smith ou Christina Aguilera. Sem margem para dúvidas, o empurrão dado por três nações de bom gosto – a islandesa, a irlandesa e a australiana –, que levaram o primeiro álbum dos OMAM ao lugar cimeiro das suas listas de mais vendidos, ajudara e muito a que estes surpreendentes recém- chegados passassem a disputar os principais campeonatos.
Convenhamos que a consistência festeira de My Head Is an Animal, a que se somavam os contagiantes desempenhos de palco ( que não esqueceram Portugal, a 14 de julho de 2013), dificilmente admitiria outro desfecho. As vozes de Nanna e Ragnar Pórhalsson, a guitarra irrequieta de Brynjar Leifsson e a muralha de aço da secção rítmica do baterista Armar Rosénkranz- Hillmarsson e do baixista Kristján Páll Kristjánsson – tudo acrescido de duas presenças instrumentais muito fortes e que davam a sensação de tentar puxar cada uma para o seu lado, com empate técnico entre trompete e acordeão – aproveitavam o tempero do folk islandês, até através de um arremedo de mitologia povoada de estranhas figuras ( basta ver o videoclip de Little Talks), para construírem uma sonoridade épica que não dava direito a indiferença, antes provocava desejos incontroláveis de acompanhar os coros, singelos e poderosos, e de deixar o corpo seguir os ritmos.
A dúvida que se erguia, sobretudo depois de os OMAM “viverem” três anos em digressão contínua, ligava- se ao passo seguinte: mais do mesmo? Ou novidades e mexidas numa equipa que estava a ganhar? A resposta começou a desenhar- se quando se soube que os islandeses tinham convocado o produtor Rich Costey ( que trazia Muse, Death Cab for Cutie, TV on the Radio e Birdy no currículo) para ajudar a dar corpo e alma ao novo disco. O resto tem uma explicação, avançada por Nanna e Ragnar: “Se calhar assustámos muita gente quando começámos a defender publicamente a ideia de um disco novo diferente. Talvez pensassem que íamos caminhar para o heavy metal… Nada disso: se o primeiro álbum era claramente virado para fora, se refletia o impacto do nosso encontro, uns com os outros, agora caminhámos para o interior, para a intimidade. O nosso processo de crescimento encaminhou- nos para um disco mais pessoal, que fala de nós, mais pesado, tanto musicalmente como no que respeita aos textos.” A crescente importância das letras fica bem documentada no recurso a uma série de lyric vídeos ( clips em que uma personagem exterior à banda vai simulando cantar, enquanto os versos vão aparecendo no ecrã), iniciada com Crystals, que convoca como protagonista o ator islandês Siggi Sigurjóns e que já motivou cerca de dois milhões de visionamentos no Youtube.
Quanto ao resto, se os OMAM foram prematuramente colocados na esfera de influência dos Arcade Fire, comparados aos revivalistas folk The Lumineers e Mumford & Sons, se alguns elementos épicos evocavam os Simple Minds ou os Big Country, agora tudo mudou. Crystals e Human, que abrem Beneath The Skin, asseguram a tran- sição, substituindo aos poucos o épico pelo etéreo, o entusiasmo pelo encanto, o estrépito pelo enredado. As guitarras de Brynjar Leifsson ganham espaço e, sem grandes esforços de pesquisa, até se descobrem piscadelas de olho aos Echo & The Bunnymen, aos The Cure dos primeiros anos, aos Durutti Column. Tudo sem que esta mudança de identidade se possa confundir com perda de personalidade. Não se passa por canções como Hunger, Empire, Organs ( a simplicidade superlativa de um arranjo), Black Water e, acima de todas, I of the Storm, sem ganhar a certeza absoluta de que os Of Monsters and Men cresceram e se multiplicaram, acrescentando novidade e não apenas somando novos números.
Claro que os mais apressados avançam já com uma precoce interrogação: e qual será o próximo passo? Lá chegaremos, sem stress. Por agora, o que vale a pena é seguir de perto este disco, que muito contribui para voltarmos a olhar a Islândia como um caso de estudo pop, de tal forma ali florescem, entre a neve e os vulcões, os talentos do nosso contentamento.