Diário de Notícias

“O HOLANDÊS É UMA BOA LÍNGUA PARA FALAR DE PORCAS E PARAFUSOS”

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Há algum escritor além de Céli - ne de que tenha gostado muito? Esse é genial. O Céline é um grande homem. As pessoas enchem a boca de Proust e de James Joyce mas o Sr. Céline está acima dessa gente toda. É pena a posição ideológica! É. É pena ter sido como foi, mas como escritor tem um conhecimen­to da alma humana que é melhor nem se comparar. Há pouco, a propósito do livro Ernestina, queria falar- lhe dos cenários de Trás- os- Montes. Os que Aquilino Ribeiro usava... Gostei muito do Aquilino Ribeiro até ao dia em que percebi que estava a f antasiar o povo. Lê- se Aquilino e Camilo e são duas visões totalmente diferentes. Uma é genuína, a de Camilo Castel o Branco, enquanto Aquilino Ribeiro andou a pintar uma gente toda florida. É um produto fabricado? É um fabrico, uma espécie de louça das Caldas. Por isso está esquecido? Quando os escritores perguntam se os seus livros vão ficar daqui a 50 anos, deviam olhar para os que faleceram há cinco, dez ou vinte 20 anos. Quando o José Cardoso Pires morreu escreveu- se nos jornais: “Morreu um dos maiores escritores deste século!” Eu até senti vergonha. Por amor de Deus! Dizer que é bom é uma coisa, agora cair na idolatria bacoca é mau. Estava por cá quando morreu o Herberto Helder? Sim, sim, sim. Também se exagerou? “Morreu um gigante” e não sei o quê mais... Hoje ainda se fala no Herberto Helder? Já não. E para o ano será: “O Herberto Helder. Quem?” Há essa ilusão da fama e dos panteões e não sei mais o quê. O Panteão é para pôr o Eusébio e para a Amália? Choca- o que o Eusébio tenha ido para o Panteão? Claro que choca! Claro. É uma vergonha! Pelo amor de Deus. É uma bacoquice, é uma pelintrice. Uma pessoa ter vergonha dos verdadeira­mente bons. Que tenham a Sophia de Mello Breyner muito bem, agora o Eusébio! E a Amália, ainda é aceitável? Ah, também não. Tenham paciência! Perdeu- se o bom senso? [ Hesitação] Há muito t empo que se perdeu o bom senso. É uma vergonha dizer em qualquer parte do mundo que t emos um futebolist­a no Panteão Nacional. E o que pensa do Miguel Torga? Como pessoa era um horror. Um sujeito mau, peneirento e chato. Como escritor era bom, mas limitou- se na sua escrita. Tinha um nome fácil de memorizar. Gosta que colem o seu nome como escritor transmonta­no? Há uns dois anos houve uns maduros que me queriam fazer uma homenagem. Então, foram à câmara e o presidente disse logo: “Não! Ele não é de cá.” Receia que também digam: “Ele é holandês”? Não. Isso é em relação a Mogadouro e Gaia. Sou um escr i t or holandês que escreve só em português? Mas acho que sou um escritor português, essencialm­ente. O f acto de viver na Holanda e de ser publicado na Holanda não tem nada que ver com isso. Angustia- se quando lê a tradução dos seus livros? Não, tenho sorte. Tive dois tradutores que são geniais e mantêm o ritmo das frases e a riqueza do vocabulári­o. As edições portuguesa­s são traduzidas do holandês? Não, são do original português. O holandês é uma boa língua para falar de porcas e parafusos.

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