Cavaco quer Presidente a nomear juízes do Constitucional
Ano judicial. Chefe do Estado aproveitou cerimónia para sugerir nomeação do governador do Banco de Portugal pelo PR
Na abertura do ano judicial, Cavaco fez o seu testamento político e constitucional defendendo que o seu sucessor nomeie juízes para o TC e indique o governador do Banco de Portugal.
Cavaco Silva aproveitou ontem a cerimónia de abertura do ano judicial para deixar uma espécie de testamento político constitucional. O Presidente da República, que está no fim do seu segundo mandato, elogiou a Constituição de 1976, defendendo apenas alguns ajustamentos no que diz respeito aos poderes presidenciais. Cavaco entende que o Chefe do Estado deveria nomear juízes para o Tribunal Constitucional e também o governador do Banco de Portugal, sob proposta do governo.
Estas foram as duas ideias fortes de um discurso atípico do Presidente da República em cerimónias de abertura do ano judicial. Habitualmente, Cavaco Silva aproveita este momento para partilhar com juízes, procuradores e advogados o seu diagnóstico sobre o setor da Justiça. Ontem, não foi bem assim, ainda que o Presidente da República tenha deixado “uma palavra de reconhecimento” à magistratura judicial e do Ministério Público “pelo papel desempenhado na afirmação de Portugal como um Estado de direito democrático”. Ora, com o antigo primeiro- ministro José Sócrates envolvido num processo- crime por suspeitas de corrupção – e com toda a controvérsia pública que a Operação Marquês tem suscitado – as palavras do Presidente foram ouvidas como um sinal de apoio ao MP e aos juízes que têm apreciado o caso.
Mas esta foi apenas a única referência ao estado atual da justiça feita por Cavaco Silva. O resto do seu discurso foi preenchido com sugestões para uma eventual revisão constitucional, sobretudo ligada aos poderes presidenciais. Até porque, para o Presidente da República, os pilares centrais da atual Constituição da República Portuguesa não lhe mereceram qualquer tipo de reparo ou sugestão: “O modelo do Estado social inscrito na Lei Fundamental de 1976 favoreceu o surgimento e a consolidação de uma sociedade mais desenvolvida, mais justa e mais solidária”, declarou o Presidente da República, que nos últimos anos enviou vários diplomas do governo para apreciação do Tribunal Constitucional.
E foi precisamente sobre este tribunal que Cavaco deixou a sugestão: “A atribuição ao Presidente da República da faculdade de designar alguns juízes do Tribunal Constitucional poderia reforçar a perceção de independência que os portugueses têm deste órgão judicial.” Neste “testemunho para memória futura”, como Cavaco Silva descreveu na sua intervenção de ontem, também propôs o alargamento do prazo de oito dias que, atualmente, o Presidente da República tem para pedir a fiscalização preventiva das leis.
Além da nomeação de juízes para o TC, o processo de nomeação do governador do Banco de Portugal “deveria, porventura, ser consagrado na própria Constituição”. O modelo a adotar, para Cavaco Silva, seria semelhante à escolha do Procurador- Geral da República, ou seja, o governador seria nomeado pelo Presidente sob proposta do governo, o que daria “mais estabilidade no exercício do cargo” e “independência e autonomia”.
Afirmando que apenas estava a fazer estas sugestões uma vez que está em final de mandato, Cavaco Silva pediu também uma alteração à norma da Constituição que impõe ao Presidente a necessidade de
Ministra da Justiça garantiu que vai sair do executivo
Cavaco Silva defendeu na cerimónia que Presidente devia nomear juízes do Tribunal Constitucional ter uma autorização da Assembleia da República para se ausentar do país.
A cerimónia foi ainda marcada pelo anúncio público, à saída do Supremo, da ministra da Justiça. Paula Teixeira da Cruz deu assim como garantida a sua saída do governo, tal como as notícias dos últimos dias davam conta. A titular da pasta da Justiça garantiu de viva voz :“Não vou continuar no Ministério da Justiça.” E adiantou que vai assumir “naturalmente” o mandato de deputada na Assembleia da República, mas “não em exclusividade”.
Lá dentro, aquando do seu discurso, e em jeito de balanço, Paula Teixeira da Cruz aproveitou para fazer um briefing recheado das “reformas estruturantes” a seu cargo, tais como o mapa judiciário, as obras em tribunais, a mobilização de recursos humanos “com o objetivo de dotar os cidadãos de uma justiça mais próxima”. E avançou que, desde 2011 até aos dias de hoje, se registou uma descida de 6% dos processos judiciais pendentes nos tribunais judiciais.
Paula Teixeira da Cruz congratulou- se por o Parlamento ter aprovado a base de dados de condenados por abusos sexuais de menores – registo com dados pessoais dos condenados, acessível às autoridades – uma das suas medidas mais polémicas. “O sistema de justiça é hoje mais simplificado, mais ágil, mais eficaz e mais equitativo”, disse Paula Teixeira da Cruz. E citou dados da Câmara dos Solicitadores para revelar que, com o novo procedimento pré- executivo, se evita- ram cerca de 70% de ações ( de cobrança de dívidas) em tribunais, que não teriam tido qualquer efeito útil por inexistência de bens penhoráveis.
No plano da justiça de menores, Paula Teixeira da Cruz lembrou a alteração da Lei Tutelar Educativa e, no plano dos meios de resolução alternativa de litígios, assinalou a aprovação da Lei da Arbitragem Voluntária, com vista a sensibilizar as empresas e profissionais de diversas áreas que frequentemente recorrem à arbitragem noutros países, para as vantagens da escolha de Portugal como sede de arbitragens internacionais.
A cerimónia esteve previamente marcada para o dia 16 de setembro, mas Cavaco Silva acabou por adiar para após as legislativas.