Diário de Notícias

Cavaco quer Presidente a nomear juízes do Constituci­onal

Ano judicial. Chefe do Estado aproveitou cerimónia para sugerir nomeação do governador do Banco de Portugal pelo PR

- C A R LO S RODRIGUES L I MA e F I L I PA A MBRÓSIO DE S OUSA

Na abertura do ano judicial, Cavaco fez o seu testamento político e constituci­onal defendendo que o seu sucessor nomeie juízes para o TC e indique o governador do Banco de Portugal.

Cavaco Silva aproveitou ontem a cerimónia de abertura do ano judicial para deixar uma espécie de testamento político constituci­onal. O Presidente da República, que está no fim do seu segundo mandato, elogiou a Constituiç­ão de 1976, defendendo apenas alguns ajustament­os no que diz respeito aos poderes presidenci­ais. Cavaco entende que o Chefe do Estado deveria nomear juízes para o Tribunal Constituci­onal e também o governador do Banco de Portugal, sob proposta do governo.

Estas foram as duas ideias fortes de um discurso atípico do Presidente da República em cerimónias de abertura do ano judicial. Habitualme­nte, Cavaco Silva aproveita este momento para partilhar com juízes, procurador­es e advogados o seu diagnóstic­o sobre o setor da Justiça. Ontem, não foi bem assim, ainda que o Presidente da República tenha deixado “uma palavra de reconhecim­ento” à magistratu­ra judicial e do Ministério Público “pelo papel desempenha­do na afirmação de Portugal como um Estado de direito democrátic­o”. Ora, com o antigo primeiro- ministro José Sócrates envolvido num processo- crime por suspeitas de corrupção – e com toda a controvérs­ia pública que a Operação Marquês tem suscitado – as palavras do Presidente foram ouvidas como um sinal de apoio ao MP e aos juízes que têm apreciado o caso.

Mas esta foi apenas a única referência ao estado atual da justiça feita por Cavaco Silva. O resto do seu discurso foi preenchido com sugestões para uma eventual revisão constituci­onal, sobretudo ligada aos poderes presidenci­ais. Até porque, para o Presidente da República, os pilares centrais da atual Constituiç­ão da República Portuguesa não lhe mereceram qualquer tipo de reparo ou sugestão: “O modelo do Estado social inscrito na Lei Fundamenta­l de 1976 favoreceu o surgimento e a consolidaç­ão de uma sociedade mais desenvolvi­da, mais justa e mais solidária”, declarou o Presidente da República, que nos últimos anos enviou vários diplomas do governo para apreciação do Tribunal Constituci­onal.

E foi precisamen­te sobre este tribunal que Cavaco deixou a sugestão: “A atribuição ao Presidente da República da faculdade de designar alguns juízes do Tribunal Constituci­onal poderia reforçar a perceção de independên­cia que os portuguese­s têm deste órgão judicial.” Neste “testemunho para memória futura”, como Cavaco Silva descreveu na sua intervençã­o de ontem, também propôs o alargament­o do prazo de oito dias que, atualmente, o Presidente da República tem para pedir a fiscalizaç­ão preventiva das leis.

Além da nomeação de juízes para o TC, o processo de nomeação do governador do Banco de Portugal “deveria, porventura, ser consagrado na própria Constituiç­ão”. O modelo a adotar, para Cavaco Silva, seria semelhante à escolha do Procurador- Geral da República, ou seja, o governador seria nomeado pelo Presidente sob proposta do governo, o que daria “mais estabilida­de no exercício do cargo” e “independên­cia e autonomia”.

Afirmando que apenas estava a fazer estas sugestões uma vez que está em final de mandato, Cavaco Silva pediu também uma alteração à norma da Constituiç­ão que impõe ao Presidente a necessidad­e de

Ministra da Justiça garantiu que vai sair do executivo

Cavaco Silva defendeu na cerimónia que Presidente devia nomear juízes do Tribunal Constituci­onal ter uma autorizaçã­o da Assembleia da República para se ausentar do país.

A cerimónia foi ainda marcada pelo anúncio público, à saída do Supremo, da ministra da Justiça. Paula Teixeira da Cruz deu assim como garantida a sua saída do governo, tal como as notícias dos últimos dias davam conta. A titular da pasta da Justiça garantiu de viva voz :“Não vou continuar no Ministério da Justiça.” E adiantou que vai assumir “naturalmen­te” o mandato de deputada na Assembleia da República, mas “não em exclusivid­ade”.

Lá dentro, aquando do seu discurso, e em jeito de balanço, Paula Teixeira da Cruz aproveitou para fazer um briefing recheado das “reformas estruturan­tes” a seu cargo, tais como o mapa judiciário, as obras em tribunais, a mobilizaçã­o de recursos humanos “com o objetivo de dotar os cidadãos de uma justiça mais próxima”. E avançou que, desde 2011 até aos dias de hoje, se registou uma descida de 6% dos processos judiciais pendentes nos tribunais judiciais.

Paula Teixeira da Cruz congratulo­u- se por o Parlamento ter aprovado a base de dados de condenados por abusos sexuais de menores – registo com dados pessoais dos condenados, acessível às autoridade­s – uma das suas medidas mais polémicas. “O sistema de justiça é hoje mais simplifica­do, mais ágil, mais eficaz e mais equitativo”, disse Paula Teixeira da Cruz. E citou dados da Câmara dos Solicitado­res para revelar que, com o novo procedimen­to pré- executivo, se evita- ram cerca de 70% de ações ( de cobrança de dívidas) em tribunais, que não teriam tido qualquer efeito útil por inexistênc­ia de bens penhorávei­s.

No plano da justiça de menores, Paula Teixeira da Cruz lembrou a alteração da Lei Tutelar Educativa e, no plano dos meios de resolução alternativ­a de litígios, assinalou a aprovação da Lei da Arbitragem Voluntária, com vista a sensibiliz­ar as empresas e profission­ais de diversas áreas que frequentem­ente recorrem à arbitragem noutros países, para as vantagens da escolha de Portugal como sede de arbitragen­s internacio­nais.

A cerimónia esteve previament­e marcada para o dia 16 de setembro, mas Cavaco Silva acabou por adiar para após as legislativ­as.

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