Diário de Notícias

Foi padre, viveu num bairro de lata. E gosta de brindar à liberdade

Presidenci­ais. PCP anunciou a candidatur­a de Edgar Silva a Belém. Esteve desde novo ligado a causas sociais, ao lado dos “miúdos das caixinhas” do Funchal. Entrou como independen­te na CDU em 1996, hoje é o líder do PCP madeirense

- MI GUEL MARUJO

Era um jovem padre madeirense quando no final de 1991, com 29 anos, regressou a Lisboa, onde tinha estudado no Seminário dos Olivais e na Faculdade de Teologia da Universida­de Católica, para ser assistente nacional do Movimento Católico de Estudantes ( MCE). Edgar Silva tinha à sua espera uma residência para padres, ao Rato, mas pouco tempo depois as suas convicções levaram- no a ir viver para uma barraca, sem luz, num dos bairros de lata que ainda existiam em Lisboa, o da Curraleira.

O nome ontem anunciado por Jerónimo de Sousa como candidato do PCP à Presidênci­a da República ( ver caixa) foi sempre discreto nas suas opções ( como ir viver para o bairro da lata), que explicava com a “radicalida­de” da “opção preferenci­al pelos pobres” de Jesus, mas que nem sempre agradava ao episcopado português.

Ainda na Madeira, sem crucifixos no bolso ou ao peito, Edgar Silva – que nasceu no Funchal em 25 de setembro de 1962 – trabalhou com os “miúdos das caixinhas”, rapazes e raparigas de famílias muito pobres, que andavam pelo centro do Funchal a pedir dinheiro aos turistas. Muitos e muitas também se prostituía­m.

Edgar trabalhou com eles, esteve na fundação do MAC – Movimento de Apoio à Criança, na ilha, e da Escola Aberta, um projeto escolar para os miúdos da rua na zona mais alta do Funchal, e esteve na primeira linha de denúncia de casos de exploração sexual de menores. Por causa destas causas, o então presidente do governo regional da Madeira, Alberto João Jardim, mas também o anterior bispo do Funchal, Teodoro de Faria, nunca simpatizar­am com o “padre Edgar”, como lhe chamava ( em tom depreciati­vo) Jardim.

A simpatia era recíproca. Em agosto de 1992, a dois meses das eleições regionais, Edgar e outros jovens padres da Madeira subscrever­am um manifesto “Mais democracia, melhor democracia”, levando Jardim aos habituais insultos que reservava para os seus adversário­s. Três anos depois, esse grupo de presbítero­s agitaria de novo a política regional com outro manifesto com o título “O futuro pertence à democracia”. Para estes padres, “no exercício do poder político, ao lado da necessária competênci­a e eficiência, é fundamenta­l a superação de certas tentações, tais como o recurso à deslealdad­e e à mentira, o desperdíci­o do dinheiro público em vantagem de uns poucos e com miras de clientela”.

O regresso à Madeira já tinha acontecido em 1994, depois de deixar o MCE em setembro de 1993. Ao incómodo sentido pelo seu estilo de vida, os bispos chocaram com um documento sobre moral sexual aprovado pelos estudantes católicos, em que se questionav­a o dis- curso oficial da Igreja sobre contraceçã­o ou homossexua­lidade. Na sua ilha, Edgar Silva não foi o filho pródigo que os responsáve­is eclesiásti­cos esperariam, acabando por aceitar o desafio de outro padre, Mário Tavares, que era deputado do PCP, e juntando- se em 1996 como independen­te às listas da CDU. Desvinculo­u- se do “exercício do ministério sacerdotal” em 1997. Hoje, quase 20 anos depois, já é militante do partido, é membro do Comité Central e tem resistido como deputado regional. E chegou agora ao palco da política nacional.

Edgar Silva sempre defendeu que “a política não é um fim”. Por estes dias, até janeiro de 2016, terá ocasião de fazer um dos seus brindes preferidos, que muitos amigos replicam. “À liberdade, que é sempre pouca.”

Edgar, com outros

padres, pediu mais democracia

para aMadeira

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