Um poeta descontínuo
Quem contar hoje menos de cinquenta e cinco anos dificilmente conceberá o que significava ser poeta, de direita, ou de esquerda, ao longo das décadas salazaristas, retirando disso as vantagens, ou os dissabores, que se revelassem consequentes. Pedro Homem de Mello pertencia ao primeiro destes grupos, no qual se integravam mais dois ou três líricos que os seus confrades da oposição, mas não- sectários, consideravam de qualidade. O proveito que lhe advinha da fidelidade ao poder da altura consistia em ganhar algum prémio, inventado pelo SNI, ou em ver- se solicitado de quando em quando para redigir um poema destinado aos bilhetes- postais de boas festas, aliás belíssimos, editados pelos CTT, e ilustrados pelos artistas de mérito de que a ordem estabelecida afortunadamente dispunha.
Sempre corajoso, e liberto de qualquer forma de clubismo literário, David Mourão- Ferreira reconhecia os altos momentos do autor de BodasVermelhas, atestando publicamente o seu apreço em termos que irritavam os progressistas ortodoxos. Já Eugénio de Andrade, acusado por umas quantas más- línguas de se haver abastecido na safra de Homem de Mello, ocultava a coincidência com ele no gozo da herança de García Lorca, e da geração espanhola de 25, quanto mais não fosse no tocante a certas paisagens “verdes”, a do “que te quiero verde”, do “green god”, e do rapaz da camisola da mesma cor. Por simples chalaça, ou para se desculpar, verberava então a escassa cultura do poeta que evocamos hoje, apontando- lhe caricaturalmente o incurso em três erros de ortografia, de cada vez que precisava de escrever o onomástico “Rimbaud”, mas admitindo apesar de tudo admirar- lhe os versos, “às terças, quintas e sábados”.