Diário de Notícias

Um poeta descontínu­o

- MÁRI O C L Á UDI O

Quem contar hoje menos de cinquenta e cinco anos dificilmen­te conceberá o que significav­a ser poeta, de direita, ou de esquerda, ao longo das décadas salazarist­as, retirando disso as vantagens, ou os dissabores, que se revelassem consequent­es. Pedro Homem de Mello pertencia ao primeiro destes grupos, no qual se integravam mais dois ou três líricos que os seus confrades da oposição, mas não- sectários, considerav­am de qualidade. O proveito que lhe advinha da fidelidade ao poder da altura consistia em ganhar algum prémio, inventado pelo SNI, ou em ver- se solicitado de quando em quando para redigir um poema destinado aos bilhetes- postais de boas festas, aliás belíssimos, editados pelos CTT, e ilustrados pelos artistas de mérito de que a ordem estabeleci­da afortunada­mente dispunha.

Sempre corajoso, e liberto de qualquer forma de clubismo literário, David Mourão- Ferreira reconhecia os altos momentos do autor de BodasVerme­lhas, atestando publicamen­te o seu apreço em termos que irritavam os progressis­tas ortodoxos. Já Eugénio de Andrade, acusado por umas quantas más- línguas de se haver abastecido na safra de Homem de Mello, ocultava a coincidênc­ia com ele no gozo da herança de García Lorca, e da geração espanhola de 25, quanto mais não fosse no tocante a certas paisagens “verdes”, a do “que te quiero verde”, do “green god”, e do rapaz da camisola da mesma cor. Por simples chalaça, ou para se desculpar, verberava então a escassa cultura do poeta que evocamos hoje, apontando- lhe caricatura­lmente o incurso em três erros de ortografia, de cada vez que precisava de escrever o onomástico “Rimbaud”, mas admitindo apesar de tudo admirar- lhe os versos, “às terças, quintas e sábados”.

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