AVC mata duas vezes mais em Portugal do que em Espanha
Número de doentes e atraso na resposta no hospital explicam taxa por cem mil habitantes, que caiu 73% em 23 anos
A mortalidade por AVC em Portugal é de 88,1 por cada cem mil habitantes e em Espanha é de 44,9. Em 2013, morreram 12 273 pessoas, mais do que uma por hora.
Portugal tem o dobro da mortalidade de Espanha por acidente vascular cerebral (AVC), registando 88,1 óbitos por cada cem mil habitantes, contra 44,9 no país vizinho, de acordo com o relatório “Health at a Glance”, ontem divulgado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento (OCDE). As diferenças não são fáceis de explicar, mas podem atribuir-se ao facto de haver mais AVC do que em Espanha em parte associados à hipertensão. Há ainda diferenças culturais e no tratamento da doença, referem os especialistas, que avisam que esta devia ser uma área prioritária.
Os resultados nas doenças cardiovasculares têm pontos positivos e negativos. E, se é verdade que Portugal está entre os países que têm a maior taxa de mortalidade, ficando em 7.º lugar entre 34, é também um dos que mais progrediram nas últimas duas décadas. De 1990 a 2013, a taxa caiu 73%. Nessa altura, havia 330 óbitos por cem mil habitantes. “Partimos de um ponto elevado. Temos uma taxa de incidência que influencia os resultados. Há fatores de risco como o excesso de sal, que está associado à hipertensão. Temos cerca de metade da população com este problema, mas grande parte não está diagnosticada ou devidamente tratada”, diz ao DN Vítor Cruz, da direção da Sociedade Portuguesa de AVC.
Em Portugal, morreram 12 273 pessoas com AVC em 2013 – mais de uma por hora –, quase o dobro das por enfarte. Além da hipertensão, há múltiplos fatores. “Desde logo o tabagismo, que ainda afeta quase 20% da população, o sedentarismo e a obesidade. Se olhar para as pessoas com 40 ou 50 anos, estas já acumulam quase sempre três fatores de risco”, refere, acrescentando que também existirão fatores genéticos a explicar esta taxa da doença.
Rui Ferreira, o diretor do Programa Nacional para as Doenças Cérebro-Cardiovasculares, avança que Portugal e Espanha são diferentes. “Desde logo, a mortalidade é maior do que por enfarte, o que não acontece numa grande parte dos países europeus.”
Ambos os especialistas estão de acordo em que há ainda diferenças na resposta ao AVC, mas não em grau tão elevado que justifique o dobro das mortes em Portugal. “As diferenças têm de ser estudadas com profundidade, mas sabemos que a organização dos cuidados é mais avançada em Espanha. São mais rápidos do que nós”, assegura.
Um indicador de qualidade é o que avalia a morte por AVC ao fim de 30 dias de admissão no hospital. Espanha e Portugal têm pouca diferença (9% e 10%). Vítor Cruz diz que “só metade dos doentes vão para unidades de AVC, com cuidados especializados. Outra metade é tratada em enfermarias menos especializadas. Faltam equipamentos e recursos humanos, como os neurologistas, exames rápidos que ditam os resultados logo nos primeiros dias. As pessoas que lá estão têm de agir rapidamente, antecipar eventuais com- plicações”. A Áustria partiu do mesmo ponto que Portugal e tem uma taxa de 6%. “Ainda há pouca sensibilidade para aquela que é a nossa maior causa de morte.” Rui Ferreira concorda. “Esta área tem de ser prioritária. Mas é neste caminho que temos de prosseguir. Temos falta de recursos humanos e ainda há diferenças regionais. No Alentejo e no Algarve, por exemplo, há mais mortalidade, mas também questões culturais. As pessoas têm mais receio de ir à urgência ou de chamar o INEM.”
Sucesso a tratar enfartes
Se a OCDE levanta o pano sobre alguns problemas no AVC, destaca, por outro lado, a capacidade que Portugal teve para “reduzir em dois terços a mortalidade”. No caso do enfarte, Portugal aparece em quarto lugar com 51 óbitos por cem mil (perto de Espanha, com 56) e com uma redução de 57% em 23 anos. “Seja no enfarte ou no AVC, houve mais prevenção, medição e tratamento da hipertensão e dislipidemia. Ao mesmo tempo, fazemos mais angioplastias. Todas as que são necessárias são feitas”, garante Rui Ferreira.
Crianças mais gordas
Portugal está na média da OCDE, com os seus habitantes a viver em média 80,8 anos, tendo as mulheres uma esperança de vida de mais de seis anos do que os homens à data do nascimento. Mas, se a OCDE refere haver uma maior esperança de vida entre as pessoas com maior nível de educação, a verdade é que Portugal está ao lado dos países nórdicos, registando poucas diferenças na esperança de vida.
A vacinação coloca-nos entre os melhores países, tal como a taxa de mortalidade infantil, de 2,9 por mil nascimentos. Mas no que diz respeito aos idosos os resultados são menos animadores: Portugal é o país em que menos pessoas admitem ter um estado de saúde bom ou muito bom e quase um quinto admite ter limitações nas atividades diárias.
Há ainda fatores de risco que não devem ser negligenciados. Apesar de acima dos 15 anos haver 15,4% da população que já é obesa, os resultados estão melhores do que a média da OCDE, que é de 19.
Mas entre as crianças os resultados são preocupantes, com o excesso de peso a superar 30%, apesar das notícias recentes apontarem para a estabilização.
“Países como Itália e Portugal têm uma taxa de obesidade entre os adultos que é relativamente baixa, mas a taxa de excesso de peso entre as crianças é provável que se traduza em taxas elevadas entre os adultos no futuro”, lê-se no relatório.
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