O ministro transmontano queaos 12 anos entrou para um mosteiro
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Não é de agora que um ministro puxa da sua condição de crente, mas na passada segunda-feira João Calvão da Silva fê-lo de forma insistente. De visita a uma Albufeira inundada e enlameada, a enxurrada de palavras do novo ministro da Administração Interna deixou perplexo até de quem acredita em Deus. “Deus nem sempre é amigo, também acha que de vez em quando nos dá uns períodos de provação”, disse. Ou, referindo-se à única vítima mortal do mau tempo de domingo, “ele, que era um homem de apelidoViana, entregou-se a Deus e Deus com certeza que lhe reserva um lugar adequado”. É linguagem bebida numa educação religiosa ainda sem os ventos de mudança que já sopravam de um Vaticano no concílio segundo (de 1962 a 1965).
Em 1964, João Calvão da Silva, então com 12 anos, batia à porta do Mosteiro de Singeverga (Santo Tirso). O rapaz das terras barrosãs candidatava-se à vida monástica. Em 1968, vai para Lamego, para matricular-se “no último patamar liceal, o secundário”, no Colégio da ordem beneditina, a mesma do mosteiro famoso pelo seu licor.
Num texto disponibilizado no site do Colégio de Lamego, apresenta-se o “João Calvão” como o “miúdo” que, “agigantando-se aos demais pela sua estatura, perfil, inteligência e classe desportiva, mais concretamente o futebol”, cresceu e se fez homem “entre a escola claustral do Mosteiro de Singeverga, o Colégio de Lamego e a Universidade de Coimbra”.
Foi ao colégio que regressou, a 4 de abril de 2014, num ciclo de conferências de antigos alunos, para “contar uma linda história de encantar, de uma também pequenina aldeia de Montalegre, onde nasceu a 20 de fevereiro de 1952, filho de agricultores que trabalhavam de sol a sol, em via-sacra de amor pelos filhos, musculados pela força da enxada que cava a terra dura”.
Nesses tempos, relata o texto – sem se perceber se são palavras de Calvão ou se o articulista se tomou de liberdades narrativas – “noite dentro, ao som do piar das aves esquisitas próprias daquela região barrosã, comiam uma malga de caldo reforçada com chouriço transmontano, lavavam os pés, rezavam o terço e deitavam-se nos lençóis brancos da honestidade”. Ou, como se explicou o ministro, em Albufeira: “Eu sei que há muitas carteiras magras. Mas está a falar com uma pessoa que nasceu em Trás-os-Montes, que sabe o que é ser pobre e vir do pobre e tentar ser alguém.”
É este o caldo em que Calvão da Silva se forma. Nos anos do liceu, a vida monástica fica para trás, não sem dor: a passagem por Lamego “foi o encontro com ele próprio, numa reflexão profunda vocacional, por vezes dolorosa, entre o mosteiro e a academia coimbrã, optando pela cidade do Mondego”.
João termina a licenciatura na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra em 1975. No seu currículo disponível na página da universidade (no Portal do Governo não há uma biografia disponível, apenas a foto oficial) regista-se a classificação final: 17 valores.
É em Coimbra que o hoje ministro se encontra com o PSD. Em 1983, Carlos Alberto Mota Pinto vai buscá-lo para secretário de Estado adjunto como vice-primeiro-ministro do governo do Bloco Central (ver caixa). É o primeiro registo político do currículo público de Calvão da Silva.
A dias do Congresso da Figueira da Foz, em que o PSD faz a rodagem para um novo líder, o vice-primeiro-ministro morre e Cavaco Silva, investido na presidência laranja, acaba por romper com o PS. Calvão da Silva, já assistente universitário, atravessa o cavaquismo a presidir a Comissão de Fiscalização da TAP (1985-1992), e no Conselho Superior do Ministério Público, nomea- do pelo ministro da Justiça de então, Laborinho Lúcio, de 1992 a 1995, ano em que é eleito deputado.
Regressa aos olhos da opinião pública em 2010, com a liderança de Passos Coelho, que o faz vice do partido. E em dezembro passado é um dos juristas que atestam a idoneidade de Ricardo Salgado, perante o Banco de Portugal.
O ministro não está “disponível” para declarações até à “próxima semana”, respondeu uma assessora. Diz ele (no site do colégio) que “se tivesse optado pela vida monástica rezaria mais e trabalharia menos, assim na vida académica trabalha mais e reza menos. Mas também reza!” E diz ter “saudades das partidas de futebol, da Sibéria, dos cheiros e odores do velho colégio, das carteiras de madeira, dos ‘porretas pá’ do padre Jorge, do Orfeão, das novenas do mês de maio, do quelho, caminho rápido de fuga para a cidade, enfim, deste colégio onde o tempo que passa não envelhece!” Assim fala o ministro.