Diário de Notícias

O ministro transmonta­no queaos 12 anos entrou para um mosteiro

PCP quer acabar com cortes feitos ainda no tempo do governo de José Sócrates Assis adia almoço na Mealhada mas não abandona luta contra acordo à esquerda

- MIGUEL MARUJO

Não é de agora que um ministro puxa da sua condição de crente, mas na passada segunda-feira João Calvão da Silva fê-lo de forma insistente. De visita a uma Albufeira inundada e enlameada, a enxurrada de palavras do novo ministro da Administra­ção Interna deixou perplexo até de quem acredita em Deus. “Deus nem sempre é amigo, também acha que de vez em quando nos dá uns períodos de provação”, disse. Ou, referindo-se à única vítima mortal do mau tempo de domingo, “ele, que era um homem de apelidoVia­na, entregou-se a Deus e Deus com certeza que lhe reserva um lugar adequado”. É linguagem bebida numa educação religiosa ainda sem os ventos de mudança que já sopravam de um Vaticano no concílio segundo (de 1962 a 1965).

Em 1964, João Calvão da Silva, então com 12 anos, batia à porta do Mosteiro de Singeverga (Santo Tirso). O rapaz das terras barrosãs candidatav­a-se à vida monástica. Em 1968, vai para Lamego, para matricular-se “no último patamar liceal, o secundário”, no Colégio da ordem beneditina, a mesma do mosteiro famoso pelo seu licor.

Num texto disponibil­izado no site do Colégio de Lamego, apresenta-se o “João Calvão” como o “miúdo” que, “agigantand­o-se aos demais pela sua estatura, perfil, inteligênc­ia e classe desportiva, mais concretame­nte o futebol”, cresceu e se fez homem “entre a escola claustral do Mosteiro de Singeverga, o Colégio de Lamego e a Universida­de de Coimbra”.

Foi ao colégio que regressou, a 4 de abril de 2014, num ciclo de conferênci­as de antigos alunos, para “contar uma linda história de encantar, de uma também pequenina aldeia de Montalegre, onde nasceu a 20 de fevereiro de 1952, filho de agricultor­es que trabalhava­m de sol a sol, em via-sacra de amor pelos filhos, musculados pela força da enxada que cava a terra dura”.

Nesses tempos, relata o texto – sem se perceber se são palavras de Calvão ou se o articulist­a se tomou de liberdades narrativas – “noite dentro, ao som do piar das aves esquisitas próprias daquela região barrosã, comiam uma malga de caldo reforçada com chouriço transmonta­no, lavavam os pés, rezavam o terço e deitavam-se nos lençóis brancos da honestidad­e”. Ou, como se explicou o ministro, em Albufeira: “Eu sei que há muitas carteiras magras. Mas está a falar com uma pessoa que nasceu em Trás-os-Montes, que sabe o que é ser pobre e vir do pobre e tentar ser alguém.”

É este o caldo em que Calvão da Silva se forma. Nos anos do liceu, a vida monástica fica para trás, não sem dor: a passagem por Lamego “foi o encontro com ele próprio, numa reflexão profunda vocacional, por vezes dolorosa, entre o mosteiro e a academia coimbrã, optando pela cidade do Mondego”.

João termina a licenciatu­ra na Faculdade de Direito da Universida­de de Coimbra em 1975. No seu currículo disponível na página da universida­de (no Portal do Governo não há uma biografia disponível, apenas a foto oficial) regista-se a classifica­ção final: 17 valores.

É em Coimbra que o hoje ministro se encontra com o PSD. Em 1983, Carlos Alberto Mota Pinto vai buscá-lo para secretário de Estado adjunto como vice-primeiro-ministro do governo do Bloco Central (ver caixa). É o primeiro registo político do currículo público de Calvão da Silva.

A dias do Congresso da Figueira da Foz, em que o PSD faz a rodagem para um novo líder, o vice-primeiro-ministro morre e Cavaco Silva, investido na presidênci­a laranja, acaba por romper com o PS. Calvão da Silva, já assistente universitá­rio, atravessa o cavaquismo a presidir a Comissão de Fiscalizaç­ão da TAP (1985-1992), e no Conselho Superior do Ministério Público, nomea- do pelo ministro da Justiça de então, Laborinho Lúcio, de 1992 a 1995, ano em que é eleito deputado.

Regressa aos olhos da opinião pública em 2010, com a liderança de Passos Coelho, que o faz vice do partido. E em dezembro passado é um dos juristas que atestam a idoneidade de Ricardo Salgado, perante o Banco de Portugal.

O ministro não está “disponível” para declaraçõe­s até à “próxima semana”, respondeu uma assessora. Diz ele (no site do colégio) que “se tivesse optado pela vida monástica rezaria mais e trabalhari­a menos, assim na vida académica trabalha mais e reza menos. Mas também reza!” E diz ter “saudades das partidas de futebol, da Sibéria, dos cheiros e odores do velho colégio, das carteiras de madeira, dos ‘porretas pá’ do padre Jorge, do Orfeão, das novenas do mês de maio, do quelho, caminho rápido de fuga para a cidade, enfim, deste colégio onde o tempo que passa não envelhece!” Assim fala o ministro.

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O ministro no meio dos destroços, em Albufeira. “A fúria da natureza não foi nossa amiga. Deus nem sempre é amigo”, disse João Calvão da Silva
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João Calvão da Silva tomou posse como ministro da Administra­ção Interna no dia 30 de outubro

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