Diário de Notícias

Bloqueio do sistema informátic­o, aumento do apoio judiciário e desistênci­a em ir a julgamento explicam redução da receita

- FILIPA AMBRÓSIO DE SOUSA

Manuel Guerreiro, gestor de uma empresa na zona de Leiria, ficou incrédulo quando recebeu a nota de custas do tribunal para pagar as despesas numa ação executiva em que foi parte. Em causa estava a cobrança de uma dívida a um cliente. O empresário acabou por desistir da via judicial, após ter chegado a acordo sobre um plano de pagamento mensal definido pelos dois.

Este caso é um exemplo de situações que tiveram reflexo nas estatístic­as do dia-a-dia dos tribunais: o Estado está a receber cada vez menos dinheiro dos cidadãos que vão a tribunal. Não porque a justiça esteja mais barata mas porque há cada vez mais casos de pessoas que desistem de ir a tribunal fazer valer um direito ou, quem o faz, necessita de apoio judiciário (advogados pagos pelo Estado para representa­r os mais carenciado­s) devido à falta de capacidade económica. Mais: o aumento de empresas que recorrem a centros de arbitragem ou de particular­es que recorrem aos julgados de paz também ajudam a esta descida. O crash do Citius (ver fotolegend­a) também implicou que de setembro a dezembro de 2014 muito menos ações entrassem nas secretaria­s judiciais.

Feitas as contas, no ano passado o Estado recebeu menos 25 milhões de euros em custas processuai­s (197 milhões de euros) face ao ano anterior (222 milhões). Ou seja, o valor pago pelos cidadãos quando recorrem a tribunal desceu mais de 10%, segundo dados da Direção-Geral de Política de Justiça (DGPJ). “Tenho inúmeros clientes, até da jurisdição de família e menores, que desistem de ir a tribunal em casos de regulação do poder paternal pelo valor que têm de pagar”, explicou o advogado João Moreira ao DN. “Depois vão para os centros de mediação familiar”, acrescento­u. Esta tendência de descida de receita acaba por contrariar as expectativ­as criadas em fevereiro de 2012 quando foi revisto o Regulament­o das Custas Processuai­s (RCP) que passou a prever que a quantia cobrada pelo Estado em sede de custas seja calculada em função do valor da causa. Quer isto dizer que, se estiver a ser decidido em tribunal um pedido de indemnizaç­ão cível de 200 mil euros, é desse valor-base que os tribunais calculam a taxa de justiça. Independen­temente dos meios ou do tempo despendido­s em concreto. Outra das alterações prende-se com o facto de as taxas em excesso deixarem de ser devolvidas. Até aqui, as partes envolvidas numa ação pagavam um valor no início do processo que, caso não tivesse sido todo gasto em despesas, era-lhes entregue. Por estas razões a expectativ­a do setor era a de que o valor a receber pelo Estado iria aumentar. Certo é que, olhando para o número de ações executivas que deram entrada nos tribunais de primeira instância – que perfazem cerca de 70% do total das ações judiciais –, no segundo trimestre de 2014 foram cerca de 50 mil, menos 16 300 do que no período ho- mólogo (ver infografia em baixo). Segundo explicou ao DN o professor Luís Menezes Leitão, “temse assistido a um grande desenvolvi­mento da arbitragem, o que tira muitos processos dos tribunais”. Basta olhar para as mais recentes estatístic­as dos centros de arbitragem: o número de processos entrados aumentou todos os anos entre 2006 e 2014 (de 8555 para 11 020). E a maioria dos clientes destes centros de arbitragem são empresas. O docente na Faculdade de Direito de Lisboa acrescenta: “A razão desta descida parece-me ser também o aumento das dificuldad­es económicas, o que leva a que muitas pessoas beneficiem de apoio judiciário, o que reduz o valor das custas judiciais.” Só no primeiro semestre de 2014 – segundo os dados mais recentes da Ordem dos Advogados – já tinha recebido mais 19 831 pedidos de defesas oficiosas comparativ­amente ao último semestre do ano anterior. No total, foram pedidos 123 014 advogados oficiosos. Depois de em 2011 ter sido aprovada em França a Lei das Finanças, de Nicolas Sarkozy, que impunha o pagamento de 35 euros aos cidadãos sempre que dessem entrada de uma ação judicial, em 2013 o governo francês decidiu acabar com esse pagamento da taxa no acesso aos tribunais. Na altura, a ministra da Justiça, Christiane Taubira, explicou que a decisão pretendia evitar que os “mais vulnerávei­s” fossem penalizado­s.

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