Depois do voto, a luta por cargos de chefia e contra a violência
Desigualdade de género tem dimensão cultural, política e de poder. Antestreia de As Sufragistas foi mote para se falar do tema
CÉU NEVES Mais lugares em posições de chefia e menos vítimas de violência. Fez-se um longo caminho desde a conquista do direito ao voto para as mulheres, há cem anos, mas ainda há passos fundamentais que temos de dar para chegar à igualdade.
“Se existisse um fio do ponto máximo da submissão feminina, seria a violência doméstica”, afirmou a socióloga Anália Torres, na mesa-redonda que antecedeu a antestreia do filme As Sufragistas, no Centro Cultural de Belém, quarta-feira à noite. Num debate entre mulheres e que contou com outros grandes nomes femininos na assistência – incluindo Maria de Belém, candidata a Presidente da República, e Leonor Beleza, presidente da Fundação Champalimaud –, a ministra da Cultura, Igualdade e Cidadania, Teresa Morais, aproveitou para sublinhar que a sua presença era também uma resposta a quem estranhou o que agrupava a sua pasta: uma estreia no CCB, um espaço de cultura e um filme que fala da igualdade de género e do direito de cidadania.
Quanto ao debate, centrou-se na violência sexual e doméstica como expoente máximo da discriminação entre homens e mulheres. Mas não o único. A desigualdade de género tem uma dimensão cultural, política e de poder, realçou a coordenadora do Centro Interdisciplinar de Estudos de Género, argumentando que não basta o saber e a competência para ocupar cargos de chefia. “Os lugares de poder são escassos” e são atribuídos “em função das redes sociais”, a que as mulheres têm dificuldade em entrar. Exemplos: mais mulheres com curso superior e uma representação diminuta em cargos de chefia, além de ganharem menos 16% em média do que os homens. Combater as mentalidades Clara Sottomayor, a mais nova juíza conselheira do Supremo Tribunal de Justiça, chamou a atenção para a violência contra as mulheres e a discriminação de que têm sido vítimas ao longo da história. Magistrada – profissão que lhe estava vedada antes do 25 de Abril de 1974 –, acedeu ao Supremo enquanto professora universitária. “O movimento das sufragistas foi levado a cabo por operárias e é a consciência da violência sexual contra uma menor que fez que a protagonista se tornasse feminista”, sublinhou.
A deputada socialista Isabel Moreira trouxe outra visão à conversa sobre a evolução dos direitos das mulheres em Portugal. “Tem de ser feita uma aposta na luta contra os obstáculos sociais porque as mulheres são sempre prejudicadas. É uma luta contra as mentalidades. A maior evidência de que vivemos numa guerra civil é morrerem 40 mulheres por ano vítimas de violência doméstica.”
Moderada pela jornalista Maria Flor Pedroso, a mesa-redonda completou-se com a contribuição da deputada social-democrata Teresa Leal Coelho, a concordar com a opositora de bancada, Isabel Moreira, sobre o que se avançou e o que ainda falta neste domínio. A social-democrata lembrou que a paridade entre homens e mulheres apenas foi alcançada na representação política com a lei (21 de agosto de 2006) que instituiu um mínimo de um terço de deputadas no Parlamento.
E para quando um país sem necessidade de quotas? Podiam aca- A sufragista portuguesa À mesa-redonda seguiu-se a apresentação do filme As Sufragistas, que terá hoje estreia nacional: Carey Mulligan (MaudWats) e Helena Bonham Carter, com participação especial de Meryl Streep, representam as mulheres inglesas que lutaram pelo direito ao voto no início do século XX. Em Portugal, em 1911, já a médica Carolina Beatriz Ângelo tinha conseguido votar servindo-se de uma lacuna na lei que permitia o voto aos chefes de família – não especificando o género. Ela era viúva.
A lei foi alterada dois anos depois, passando a ler-se que só os chefes de família do sexo masculino podiam votar. Só com o 25 de Abril o direito ao voto se tornou universal.