Diário de Notícias

Os turistas ajudam a puxar as redes e recebem peixe

Estar de férias e viver uma experiênci­a emocionant­e – é assim que uma espanhola descreveu a iniciativa que junta veraneante­s na prática de uma tradiciona­l arte de pesca

- ROBERTO DORES

“Quem havia de dizer que um dia íamos ajudar pescadores a sério a puxar peixe a sério de um mar a sério?”, comentava ainda surpreendi­da Sonia Márquez, uma espanhola que fez parte da “companha” que juntou turistas e pescadores de Sesimbra para puxar as redes de pesca da arte xávega. “A pescaria foi fraquinha, mas nunca mais me vou esquecer deste momento. As férias em Portugal estão a ser muito boas, mas isto foi tão emocionant­e”, confessava ao DN esta residente de Ponferrada (da região de Castela e Leão). Ainda sacudia do corpo as escamas e a areia, enquanto o marido Tomas Martínez disparava um rol de fotografia­s com os peixes aos saltos.

Sonia e Tomas deixaram-se convencer a participar no projeto de Câmara de Sesimbra que pretende recuperar a ancestral arte xávega, para mostrar aos turistas a pesca de outros tempos, convidando-os a empurrar a aiola para o mar e a puxarem as redes para terra. O agradecime­nto é o merecido “quinhão” da pescaria, quando a há. À moda antiga. E o casal espanhol pensou que precisaria de mais “músculo” para ajudar a trazer até à praia da Califórnia as extensas redes que o armador Joaquim Paulo estendeu pelo mar adentro à boleia do pequeno barco, que foi fazendo o cerco a remos empurrados por quatro braços. “Mas foi muito fácil”, testemunho­u Sonia. Até o Pedro e o João, de 7 e 9 anos, foram “pescadores” por uma hora, abdicando dos tablets que habitualme­nte levam para a praia. “Só por isso, isto já valeu a pena”, desabafava a mãe.

Já no posto de turismo, Vanda Pinto, da Câmara de Sesimbra e neta de pescador, tinha reunido o grupo de 12 turistas que se iriam ser “batizados” na atividade da pesca, dando algumas dicas sobre o que iriam encontrar minutos depois em plena praia, onde nem o vento afastava os banhistas curiosos com as Enquanto alguns turistas se dedicam à arte xávega, outros fotografam e registam o momento em vídeo. Para os mais novos é também uma atividade que gera entusiasmo. Afinal ser “pescador num mar a sério” é uma oportunida­de rara para muitos movimentaç­ões dos pescadores em torno da aiola.Vanda alertou para a “vida de surpresas que marca a atividade piscatória: “Quando se pensa que há dinheiro para distribuir pela companha, há prejuízos”, disse. Ou seja, também hoje poderia ser “tarde não”.

Já os turistas tinham os pés na areia, quando o mestre do bote aceitou a ajuda para empurrar a aiola até à água. Afastou da costa uma dezena de metros, perante olhares curiosos que não percebiam como é que o peixe ia ser capturado. “Isto é uma rede com dezenas de metros, presa a uma corda, que tem um saco ao meio onde vem o peixe”, explicava Olímpio dos Santos, pescador reformado da terra, deixando as duas pontas da corda no areal, firmes nas mãos de quem sabe.

Meia hora depois – mais ou menos –, o mestre dava o sinal aos seus homens que estavam na praia e que contavam hoje com muitos mais braços do que é costume. Além dos turistas inscritos para mais uma sessão de arte xávega, chegaram reforços que também quiseram puxar redes antes de jantar. “É para abrir o apetite e até pode ser que venha de lá alguma coisa jeitosa para ir ao lume”, ironizava Carlos Teigão, da Guarda. O experiente Canário, do alto dos seus 90 anos e que anda ao mar desde os 13 (chama-se Joaquim Faria Silva), mas ainda se equipa de calções, T-shirt e boné virado para trás entrava em ação e torcia o nariz. “Se a rede não ficar presa vem peixe, mas vai ser fraquinho. Vá lá umas bogas”, admitia. O receio era que a rede se prendesse, como há uma semana, acabando por partir-se. Foram precisos três dias de trabalho para a recuperar.

Mas o “decano” da pesca sesimbrens­e estava preparado para conduzir a operação de resgate da rede. “É agora”, gritava para a companha, “tem de ser devagar, senão o peixe foge por baixo da rede”, alertava, numa altura em que já perto de 30 banhistas puxavam a rede para terra sempre com os olhos fixos no mar.

“Pensava que podia ver já peixes aos saltos como nos documentár­ios, mas não deve ser assim”, confessava Sandra, uma jovem lisboeta de 17 anos, que quer seguir Biologia. “Ré, ré”, voltava a gritar Canário, mas foi preciso intérprete para esta instrução. “É para baixar a corda”, descodific­ava Vanda. Até que o saco dá à costa e as notícias não eram as melhores. “Bogas e pouco carapau. Ali o sargo é que já é bom”, sublinhava Canário, enquanto iam agarrando no peixe à mão para o devolver ao mar por sugestão dos adultos. Mas o que os leigos pensavam ser o regresso à liberdade transformo­u-se num banquete para as gaivotas.

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