Diário de Notícias

“Os turistas são o nosso petróleo e nunca serão de mais”

- JOANA PETIZ

As chamadas para tratar de assuntos relacionad­os com as Festas de Lisboa continuam a chegar todos os dias e teve de pedir para, nos próximos tempos, receber os e-mails da EGEAC (empresa que gere os equipament­os e a animação cultural da cidade) no seu novo emprego. Há uma semana, pouco depois de a mulher também ter mudado de trabalho, assumiu o lugar de diretor de marketing e visitor attraction­s no braço da Associação de Turismo de Lisboa que gere os museus e monumentos. O seu papel é torná-los cada vez mais um chamariz de turistas. Mas ao fim de uma década a organizar as marchas populares, os casamentos de Santo António, os concertos de primavera, os momentos de fado nos elétricos e muitas outras iniciativa­s que trouxeram uma nova vida à cidade – várias delas imaginadas pela sua equipa nestes anos (faz questão de partilhar os louros) –, desligar-se não é um processo fácil. Mesmo pelos amigos que fez.

Para falar sobre o momento “emocionant­e” que está a viver, escolheu o cenário que melhor mostra porque se deixou seduzir por este desafio. Uma esplanada fresca num Terreiro do Paço luminoso e pejado de pessoas a sorrir. Turistas, obviamente. Mas não tem medo de assumir o quanto gostou do tempo que passou na EGEAC e de falar das saudades que vai ter. Afinal, “foram 13 anos! E fortemente vividos, porque a atividade era de manhã, à tarde, à noite. Quando cheguei, a programaçã­o estava muito concentrad­a em maio e junho, mas nós fomos alargando as Festas de Lisboa a setembro, depois recuámos até à primavera, criámos iniciativa­s no Natal e agora, entre o que está na agenda e o que aparece de surpresa, não há períodos mortos”. Entre os eventos inesperado­s houve um particular­mente surpreende­nte: a organizaçã­o da festa que Lisboa ofereceu ao novo Presidente da República.

“Foi uma loucura! Avisaram-me com duas semanas e meia de antecedênc­ia e era preciso preparar tudo, resolver as questões de protocolo, de controlo, de segurança... É uma responsabi­lidade brutal. Mas correu tudo muito bem” – até mesmo ter conseguido evitar que Anselmo Ralph chegasse a cair do palco, ao subir as escadas sem olhar, para não virar as costas a Marcelo.

Não se arrepende de ter mudado de vida. Sobretudo “pela pressão que se vai sentir” nos próximos tempos. O que Pedro Moreira quer dizer, explica já depois da visita do empregado que veio tomar nota dos pedidos – entre o arroz de peixe e os hambúrguer­es do dia, optamos pela carne; está demasiado quente para comer sopa –, é que os meses que antecedem as eleições autárquica­s do próximo ano serão particular­mente intensos. “Há muita tensão política e agora vai piorar.” A mudança vai permitir-lhe ter mais vida pessoal. “E os meus filhos (um rapaz de 14 anos e uma rapariga de 10) vão ver-me mais.”

O ritmo que imprimiu à organizaçã­o de momentos e eventos na cidade não lhe permitiria abrandar tão cedo. E os últimos tempos foram particular­mente exigentes: “Não contei a ninguém que tinha recebido o convite da Associação de Turismo de Lisboa até acabarem as festas, para não criar ansiedades desnecessá­rias”, explica.

A oportunida­de – a cujo sucesso brindamos com as cervejas – surgiu há dois meses e Pedro não demorou muito tempo a tomar uma decisão – “aconteceu tudo em dias, nestas coisas acho que o destino intervém, que nos abre o caminho”. Mas admite que vai sentir saudades. E também, depois de alguma insistênci­a, que o trabalho que desenvolve­u foi “um pequenino contributo” para a programaçã­o cultu– ral da cidade crescer e se tornar mais profission­al. Quando chegou, o orçamento das Festas de Lisboa tinha apenas uma pequena parte de financiame­nto privado. Hoje não pesa nas contas públicas: “As Festas têm um orçamento de cerca de um milhão de euros e a programaçã­o global do ano são 1,3 ou 1,4 milhões – os patrocínio­s estão agora na ordem dos 1,5 milhões de euros.” O que explica pela visibilida­de que as marcas têm nos eventos mas também pela qualidade dos produtos culturais a que se associam.

Quando os mini-hambúrguer­es chegam à mesa, cobertos de queijo e bacon e devidament­e acompanhad­os pelas prometidas batatas fritas, confessa que se sente orgulhoso de algumas conquistas. Como ter conseguido “intensific­ar o diálogo entre várias componente­s, independen­temente de se tratar de cultura de elite ou popular. E o popular nem sempre é popularuch­o”, sublinha. Diz que sempre fez questão de aproveitar as valências das pessoas, para que “pudessem brilhar”, “fomos desafiando promotores culturais, artistas, juntámo-los, fizemos concertos, os fados no bairro, o teatro de rua... e ganhámos escala.”

Conta que quando começou a organizar as marchas lhe diziam “que aquilo era péssimo, que as reuniões com os representa­ntes dos bairros eram um horror, que havia ameaças por causa dos resultados, gritaria... E era mesmo assim”. Pedro foi conseguind­o apaziguar as coisas, fez amigos marchantes e maestros, e de tal forma harmonizou as relações que hoje todos “vivem mais em função de Lisboa e são solidários uns com os outros, ainda que se mantenha alguma rivalidade saudável”. “Quando souberam que ia deixar a EGEAC, chegaram a ameaçar fazer um abaixo-assinado para que ficasse.”

Foi com ele que voltou a ser costume o presidente da Câmara de Lisboa visitar os ensaios das marchas. Aconteceu por acaso – volta a garantir que é o destino que lhe prega estas boas partidas –, quando reencontro­u António Costa (que conheceu quando trabalhava na Comissão dos Descobrime­ntos) numa cerimónia dos Casamentos de Santo António. E o sucessor tem prosseguid­o com a tradição.

Pergunto-lhe se nota muita diferença entre a gestão que um e o outro fazem da cidade? A resposta sai pronta: “São totalmente diferentes.” A justificaç­ão vem mais ponderada: “António Costa é um político nato, age com total naturalida­de, vê-se que está no seu ambiente. Fernando Medina ainda está a ambientar-se, a aprender, é mais tímido, tem outro perfil. Tecnicamen­te é excelente.” Apesar de ter mudado de vida, a ligação ao presidente da câmara mantém-se (Medina viu renovado há três meses o seu mandato como presidente da Associação de Turismo de Lisboa) e Pedro Moreira vê isso com bons olhos. Acha que o autarca não se está a sair mal no cargo assumido quando Costa saiu para liderar o partido e candidatar-se às legislativ­as, mas teme que o “excesso de obras em Lisboa” penalize Medina nas autárquica­s. “A menos que as pessoas esqueçam muito rapidament­e o transtorno que lhes causaram.”

E o boom de turistas pesará a favor ou contra Fernando Medina? “Agora diz-se que o turismo está demasiado massificad­o, que está a destruir a cidade... É mesmo o espírito português, nunca estamos contentes! Quando se vinha aqui à noite, tinha-se medo. Agora é ótimo, está cheio de jovens, há pessoas a comprar casa, há movimento, há segurança. Não vejo nada negativo nisto. Tem de haver alguma contenção, claro – os tuk-tuks são muito giros, mas é um exagero a quantidade que apareceu porque não havia regras. O que nos falta é isso, a capacidade para dar respostas rápidas. Mas adaptamo-nos depressa e isso é ótimo. Os números do turismo estão muito bons e agora é preciso é continuar a crescer. Os turistas são o nosso petróleo, nunca serão de mais.” Mal seria se o homem que vai ajudar a melhorar a oferta turística de Lisboa – o cargo foi agora criado – pensasse de outra maneira.

O meu prato está pronto a recolher há algum tempo quando Pedro desiste de tentar esvaziar o dele. Não é que não tenha gostado da comida, que não é fantástica. O problema é que a mudança ainda lhe põe borboletas na barriga. “Já não devia sentir isto, pareço um miúdo! Dores de barriga, ansiedade... já não devia, mas acontece.” Apesar de ter sido muito bem recebido na Associação de Turismo de Lisboa, sublinha. “Tenho uma equipa jovem – são oito pessoas, mas vai ter de crescer um bocadinho.”

Agora, é tempo de definir bem o que vai fazer. Para isso, tem visitado os museus e os monumentos que irá coordenar com os respetivos diretores – incluindo o Arco da Rua Augusta, o Torreão Nascente ou o Pátio da Galé. Diz que quer conhecer tudo “de forma quase fotográfic­a, para perceber o que se pode fazer” com o que já existe e com o que aí vem. O Pavilhão Carlos Lopes, por exemplo, que está a ser reabilitad­o e tem abertura agendada para 2017, ou o Museu Judaico, ou ainda a Ponte 25 de Abril com o respetivo polo de visitas e a exposição permanente das joias da coroa no Palácio da Ajuda.

“Também quero dar um impulso ao Centro Interpreta­tivo Mitos e Lendas de Sintra. A ideia é alargar o Turismo de Lisboa à Grande Lisboa acho que isso é muito importante. É uma evolução: antes vivíamos em quintinhas e agora colabora-se e dialoga-se mais, relaciona-se, cria-se associaçõe­s que fazem todo o sentido.”

Tem a lição na ponta da língua e o entusiasmo é óbvio. “Acho que vai ser um desafio positivo. Na EGEAC já estava um bocado saturado e aqui senti que voltei a aprender. Isso mexeu comigo.” Foi assim também quando chegou à Comissão dos Descobrime­ntos, onde chegou depois de colaborar com a Torre do Tombo e o Museu da Presidênci­a – à pergunta inevitável sobre Diogo Gaspar, ex-diretor acusado de desviar bens culturais, responde que nunca imaginou que uma coisa assim pudesse acontecer. “Conheço o Diogo, andei na faculdade com ele, e ainda fico espantado. Mas todos somos humanos e às vezes fraquejamo­s...”

As sobremesas chegam à mesa já quase no fim da conversa, abreviada a contragost­o pela necessidad­e de voltar ao trabalho, onde Pedro vai arrancar “a sério em setembro”, depois das férias que já tinha marcadas. Serão repartidas entre Nice e o Mónaco. Empata a salada de fruta tempo suficiente para explicar porque não cancelou a viagem depois do ataque terrorista da última semana. “Tudo isto é horrível mas não podemos ceder ao que eles querem, ao terror.” Temos de aprender a viver com a certeza de que isto hoje pode passar-se em qualquer lado. Se tiver de acontecer, não há como fugir, infelizmen­te, por isso temos de viver.” É outra vez do tal destino que fala.

Volta a focar-se no que agora é a sua vida. Aponta os grupos de turistas que se espalham pelo Terreiro do Paço, enquanto saboreamos o café e a brisa que se sente na esplanada. “Olha esta praça. Nunca vi tantos jovens aqui – isto vai projetar-se nos próximos anos, porque muitos vão querer voltar, vão falar aos amigos sobre a cidade, vão trazer ideias. Alguns vão gostar tanto que são capazes de ficar por aqui, abrir novos negócios... Isto é muito bonito.”

Definitiva­mente, não há turistas a mais em Lisboa – e até se esbateu a sazonalida­de, lembra. “Espero que tenhamos sempre esta postura de bem receber para trazer ainda mais. É a maior riqueza que temos. É mesmo o nosso petróleo.” AURA LOUNGE CAFÉ › 2 hambúrguer­es da casa › 3 imperiais › 1 salada de fruta › 1 mousse de morangos › 2 cafés

TOTAL: 19,40 EUROS

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