Palavra de honra
Correia de Campos, o compromisso e a honra do PSD. O PSD demorou oito meses a fazer um acordo com o PS. Aceitou o mais difícil: que caberia ao PS indicar a maioria dos novos juízes do Tribunal Constitucional; que seriam os socialistas a indicar o presidente do Conselho Económico e Social – um dos cargos mais influentes do Estado num momento sensível para a atividade económica. Aceitou também o nome proposto pelo PS. Justamente: Correia de Campos foi ministro da Saúde, mas não passou pelo cargo como quem passa por entre os pingos da chuva; foi sempre acutilante na defesa do partido, mas sem deixar de ser justo na apreciação, por exemplo, do que fez Paulo Macedo no último governo.
Mesmo assim, na hora H, o PSD falhou no acordo que tinha dado. Por muitas voltas que se deem às contas da votação, 105 votos é muito longe da maioria de dois terços que o cargo exigia. E era precisamente por causa dessa maioria que era imprescindível o PSD votar. Não votou.
Mas pior do que não votar, o PSD não pediu desculpa. Vou acreditar que o que aconteceu não foi boicote ao PS, pelo meio tramando Correia de Campos e o CES (que bem precisa de presidente). Vou acreditar também que não foi uma maioria silenciosa a tramar Luís Montenegro, o líder parlamentar que Marcelo elogiou – com veneno evidente a Passos Coelho. Vou, portanto, acreditar que foi desleixo. Seja. Mas será assim tão difícil aos políticos manter a palavra ou, pelo menos, pedir desculpa quando alguma coisa corre mal? Palavra de honra que não se percebe a Caixa. Não se percebe como o governo arrasta passo durante sete meses, sem dar orientações à administração cessante. Não se percebe como diz agora que a situação está ultrapassada, ou como demora tanto tempo a fechar uma equipa e mandar nomes para Frankfurt. Como alimenta a novela da recapitalização sem ter uma… solução.
Mas, essencialmente, não se percebe isto: como Costa se queixa de Passos por este não ter resolvido todos os problemas da Caixa no final do seu mandato, mas antes o acusou de ter resolvido os problemas da TAP, da Carris, do Metro, dos STCP quando estava… a acabar o mandato.
Sim, Passos podia (devia) ter deixado um dossiê pronto, sobretudo sobre a recapitalização – como não, se era Passos em 2015 que se dizia preocupado com a não devolução dos CoCos ao Estado? Mas, assim sendo, como pode o PS dizer que Passos não podia ter privatizado a TAP, ou cedido os outros transportes urbanos? E como pode o governo de Costa alegar que o governo não tinha legitimidade para decidir, quando reverte esses negócios legítimos? Mas a palavra de honra vale no Estado? (o caso do TGV ). Nem de propósito, esta semana saiu uma decisão do tribunal sobre o cancelamento do TGV (em 2011, lembram-se?). Pois bem, diz o tribunal que o Estado não teve razão – e que não pode cancelar um projeto assinado sem mais nem menos. Esqueçam por momentos a fatura, que bem podíamos mandar ao engenheiro Sócrates. Esqueçam até (mas não devemos) a diferença abissal dos contextos. E pensem na palavra do Estado: esta ideia de reverter decisões só porque mudou o governo não terá nova fatura daqui a uns anos? Por falar na palavra do Estado, ainda temos o Novo Banco. O governo manda um documento para Bruxelas a dizer que não mete mais dinheiro no banco, sublinha até que, se não houver venda, o Novo Banco pode mesmo entrar em dissolução. Um dia depois vem o primeiro-ministro e diz que nada está excluído: nem nacionalização nem adiamento.
Já nem vou falar do risco que é dizer em público a palavra dissolução, mais ainda sobre um banco e em versão oficial e timbrada. Mas há uma pergunta que tem de se fazer: a palavra de honra é a que está na carta que seguiu para Bruxelas, ou a que António Costa disse depois em Lisboa? A palavra do Presidente. A silly season começa com o Presidente da República a chamar os partidos, para os ouvir antes de férias sobre a “situação política”. E a situação política tem pouco que nos deixe ir em descanso. Temos problemas na banca (a Caixa, o Novo Banco, o BPI, que ontem ficou adiado por mais mês e meio); temos uma economia em desaceleração; temos parte da “geringonça” magoada (o PCP, por ter sido posto fora dos nomes para o TC, sem que se perceba porquê); temos também sanções a caminho e muita pressão com um novo Orçamento.
O Presidente chamou todos, mas teve mais uma palavra: não prevê crises políticas. Porque as sondagens não deixam, disse-nos ele. É um bom ponto para pensar nas férias: passaram nove meses sobre as legislativas e, a avaliar pelas sondagens, todos teriam hoje precisamente o mesmo resultado. Porque será?