“Espero que questão da adesão turca não fique desatualizada”
UNIÃO EUROPEIA Académico turco residente em Portugal teme pela suspensão das negociações entre Ancara e Bruxelas A realizar em Portugal um doutoramento na área das Relações Internacionais sobre a adesão da Turquia à União Europeia (UE), o presidente da Associação de Amizade Luso-Turca, Ali Açka, mostrou-se preocupado com a atual situação no seu país, considerando o sucedido como “um golpe contra o povo e o futuro”.
“A partir de 16 de julho, a Turquia é um país muito diferente”, onde se tornou “mais dura” a vida para todos. Com esta realidade, “espero que a questão da adesão turca à UE não fique desatualizada”, teme o académico, apontando para o possível restabelecimento da pena de morte no país e para as consequências daí decorrente sobre o processo de negociações entre as instituições europeias e Ancara não acabe por ficar comprometida.
Perante este quadro, Açka referiu ao DN que alguns alunos turcos do Erasmus já lhe indicaram estarem a pensar na possibilidade de ficarem em Portugal, além do período do programa, e até mesmo “pedirem asilo”.
Sublinhando que está “contra todos os tipos de golpes contra a democracia e a liberdade”, o dirigente da Associação de Amizade Luso-Turca (AALT), nota que, por outro lado, “parece que estamos a mudar o regime”. O presidente Recep Tayyip Erdogan “quer mudar o sistema político”, o que poderá desembocar “num sultanato ou numa ditadura escondida”, refere Açka, que admite ter votado pelo partido no poder, o AKP, no “referendo de 2010, quando este queria reforçar os poderes para combater a corrupção e consolidar a democracia”.
Distanciando-se claramente dos elementos golpistas, o académico turco critica o poder político em Ancara pelo modo como está a atuar: “milhares de pessoas, polícias, juízes, professores, funcionários públicos perderam os seus empregos, e eu não sei se estavam ligados à tentativa de golpe, ou não. O que é certo é que constavam da lista dos serviços secretos que devia estar a ser feita desde há anos sobre quem estava contra Erdogan. É impossível fazer uma lista com tantos nomes de um dia para o outro”, pensa o dirigente da AALT.
Interrogado porque é que entre os nomes das personalidades escolhidas como referência da associação se encontra a de Fethullah Gülen (ao lado do místico Mevlana, do poeta e místico sufi Yunus Emre e dos portugueses Fernando Pessoa e Luís de Camões), que Ancara acusa precisamente de ser o mentor do golpe de 15 de julho, Açka pensa que o fundador do movimento Hizmet “é um homem de paz” e não acredita “que fosse agora estragar tudo o que fez nos últimos 40 anos” e instigar a realização de uma ação violenta contra o poder legalmente instituído na Turquia.
Para o responsável da AALT, que foi fundada em 2007 no Porto, onde residia então a maioria dos cidadãos turcos a viverem em Portugal, Gülen sabe muito bem o que são golpes militares, tendo vivido num país que conheceu vários entre os anos 60 e 80 e “tendo sofrido muito com isso”. O fundador do Hizmet chegou a ser preso no golpe de maio de 1960. Por isso, insiste Açka, “é uma ideia absurda e ilógica” a ligação de Gülen aos golpistas do 15 de julho.
Explicando as áreas de ação privilegiadas pela AALT, o seu dirigente destaca acordos entre universidades portuguesas e turcas, a promoção da cultura turca no nosso país e o incremento das relações comerciais, ainda que neste plano exista uma instituição específica, que é a Câmara de Comércio e Indústria Portugal-Turquia.
A comunidade turca em Portugal, segundo o presidente da AALT, que cita números da representação diplomática do seu país em Lisboa, integra cerca de 250 pessoas, a grande maioria presente no comércio, além de um importante grupo de estudantes. Açka afirma que deste total só “em duas famílias marido e mulher são turcos. Em todos os restantes, ou são casamentos com pessoas portuguesas ou de outras nacionalidades, como argentinas, espanholas, indianas e belgas”. A.C.M.