Cavaco avisa que ainda tem uma palavra a dizer
Ontem, António Costa reuniu amigos e ex-governantes de Soares em São Bento. Amigos de Cavaco organizaram um almoço num hotel de Lisboa. Mas só o acaso o proporcionou. Marcelo Rebelo de Sousa chamou-lhe “uma boa coincidência”, que significa que “dois antig
Mário Soares e Cavaco Silva foram homenageados no mesmo dia, por coincidência. Quase todos os que são alguém na vida política portuguesa estiveram ontem no lanche do primeiro ou no almoço do segundo, outros não faltaram a nenhuma das duas cerimónias. PORTUGAL
SÃO BENTO Meses depois, Soares volta a aparecer em público. Foi aplaudido de pé e abraçou Passos no jardim do primeiro-ministro O rosto da democracia voltou a mostrar-se e foi aplaudido de pé, pela nação presente. Meses depois, Mário Soares reaparece em público, onde há 40 anos entrou como primeiro-ministro: na residência do chefe de governo em São Bento. Fisicamente, pode já não ser “livre como um passarinho” – metáfora de António Costa a propósito do fim desse primeiro governo –, mas teve uma demonstração de gratidão e reconhecimento. Pouca política, muito respeito.
Simbolicamente, não podia haver imagem de maior gratidão do Estado na homenagem que o governo organizou ontem para comemorar os 40 anos da posse do primeiro governo constitucional.
Soares chegou amparado pelas três primeiras figuras da nação: o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa segurava o braço direito, o primeiro-ministro António Costa o esquerdo e, logo atrás, o presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues.
Soares não falou, mas não precisou. Bastou a sua voz imponente de há 40 anos, que se fez ouvir através das colunas. Foi reproduzido o seu primeiro discurso quando chegou ao governo em 1976, em que lembrou que “um governo, qualquer que seja, não pode fazer milagres”.
Todos ouviram atentamente. Falaram três pessoas: Rui Vilar (ministro desse governo), Francisco Pinto Balsemão (amigo e adversário político) e António Costa. Todos fizeram questão de lembrar a metade do céu de Soares: Maria Barroso. Todos foram aplaudidos de pé, no momento em que o fizeram, por cerca de 200 pessoas.
António Costa encerrou a cerimónia com um discurso curto, mas emocionado. Lembrou que esse primeiro governo de Soares “fez muito em pouco tempo” e que “o governo foi curto, mas felizmente a sua vida é longa. Longa na resistência à ditadura, longa na forma como soube defender a revolução das ameaças à liberdade”. Lembrou ainda que “no dia em que o primeiro governo constitucional caiu, disse sentir-se livre como um passarinho”. António Costa – que se empenhou pessoalmente nesta homenagem – fitou as árvores e lembrou que Soares é fã de árvores. E acrescentou: “Os passarinhos para serem livres, precisam das árvores.”
Antes já tinha falado Francisco Pinto Balsemão que contou que conheceu Maria Barroso antes de Soares, quando trabalhava no Diário Popular e atribuiu dois tipos de prémios: os limão e os laranja. “Os prémios laranja eram para as pessoas de quem gostávamos, eu sempre tive predileção pelo laranja [ouviram-se apupos divertidos] e os limão para de quem não gostávamos. A ela atribuí-lhe o laranja.” Mais aplausos.
O seu governo foi curto, mas felizmente a sua vida é longa: na resistência à ditadura
e na defesa da liberdade
ANTÓNIO COSTA
PRIMEIRO-MINISTRO
Balsemão contou ainda como a PIDE forjou uma carta em que Soares o insultava, falsificando a letra do socialista. Ambos acabaram por descobrir e assim “a PIDE colaborou na nossa amizade”.
Passos Coelho esteve presente, no final abraçou Soares e ainda ouviu – tal como António Costa – uma espécie de lição de Balsemão. “Recebi-o nesta casa [residência em São Bento] como líder da oposição e tínhamos debates assanhados ali em baixo [na Assembleia da República], mas quando foi preciso chegar a acordo sobre a revisão da Constituição de 1982, entendemo-nos e isso foi fundamental para entrarmos na CEE”, contou o patrão do grupo Impresa.
O Bloco Central estava em peso nos jardins de São Bento, com vantagem para o PS – vários atuais e ex-governantes. Balsemão lembrou ainda que, antes da solução governativa AD (com o CDS), o PSD tentou fazer coligação com o PS.
Todos os ex-presidentes foram convidados: Sampaio não apareceu pois ontem não se sentiu bem e teve de ser assistido no hospital, Cavaco não apareceu. RuiVilar, ministro do primeiro governo constitucional, lembrou o “tempo em que tudo era novo” e de como Soares sempre foi combativo e teve “coragem e destreza política”. Ontem, bastou a Soares estar ali, junto às árvores, para ouvir o obrigado dos presentes. E, no fundo, da nação.