Atirador tinha em casa o livro
Porque Matam as Crianças
Peter Langman, psicólogo e autor do livro, explica os motivos que poderão ter levado Aly Sonboly a matar nove pessoas. DN+
Os pais, vindos do Irão, chegaram à Alemanha à procura de asilo nos anos 1990. Ali David Sonboly, 18 anos, já nasceu e cresceu em Munique e tinha dupla nacionalidade. De acordo com Thomas de Maizière, ministro alemão do Interior, apesar das raízes do islão xiita e de aparentemente não ser um religioso praticante, tudo indica que Ali se terá convertido ao cristianismo. Daí o David que acrescentou entre o nome próprio e o apelido.
Na sexta-feira, o ainda estudante espalhou o terror na cidade de Munique. Armado com uma Glock de nove milímetros e com mais de 300 munições dentro da mochila, Ali Sonboly começou o ataque por volta das 17.50 locais (16.50 em Lisboa) no McDonald’s da Rua Hanauer. Daqui avançou para o centro comercial Olympia, situado do lado oposto da via, tendo continuado a disparar. Matou nove pessoas e pôs-se em fuga.Viria a ser encontrado morto, às 21.30 locais, numa rua lateral situada a cerca de 800 metros do local do crime. Acredita-se que terá cometido suicídio, ainda que só depois da autópsia possa haver certezas.
Quase todas as vítimas – seis homens e três mulheres – eram adolescentes. Duas delas tinham 13 anos e três tinham 14. A idade das restantes situava-se entre os 17 e os 45 anos. No que diz respeito às nacionalidades, também se sabe que entre os mortos havia três kosovares, três turcos e um grego. Os outros três eram alemães. Além das nove vítimas mortais, Sonboly fez ainda 27 feridos. Ontem, dez continuavam em estado crítico.
Para Hubertus Andrä, chefe da polícia local, há uma ligação “evidente” com o massacre perpetrado pelo norueguês Anders Breivik (ver texto ao lado). Ali Sonboly levou a cabo o ataque precisamente no dia em que se assinalava o quinto aniversário do tiroteio na Noruega e a polícia descobriu, na casa em que morava com os pais, diverso material de leitura sobre o caso. Ainda assim, não foram encontrados indícios de que o atacante de Munique partilhasse com Breivik os ideais neonazis.
A investigação também afastou qualquer tipo de ligação com o Estado Islâmico, mas revelou que Sonboly tinha “um fascínio” por tiroteios em massa. Além do material sobre o massacre na Noruega, a polícia apreendeu no seu quarto outros artigos de jornais e livros relacionados com episódios do mesmo tipo. Uma das obras encontradas no quarto do adolescente foi uma tradução alemã de Why Kids Kill: Inside the Minds of School Shooters (Porque Ma- tam as Crianças: Den- tro das Mentes dos Ati- radores em Escolas), do especialista norte- americano Peter Langman (ver ao lado entrevista ao DN do autor da obra).
Segundo os últimos desenvolvimentos da investigação que ontem foram divulgados, Sonboly terá pirateado uma conta do Facebook e enviado para outros utilizadores uma mensagem destinada a atrair pessoas para o McDonald’s, onde viria a começar o ataque: “Se quiserem posso pagar qualquer coisa desde que não seja muito caro.” Parece que o texto foi escrito pelo suspeito e depois enviado”, sublinhou Robert Heimberger, um dos investigadores. Thomas Maizière, o ministro do Interior, nas declarações que fez à comunicação social, revelou ainda que o atacante terá sido vítima de bullying por parte dos colegas. “Na escola, o Ali era muito pouco popular. Era gordinho e andava quase sempre sozinho. Dava a ideia de que não tinha muitos amigos”, conta, citado pelo The Guardian, um aluno que frequenta o mesmo estabelecimento de ensino. Segundo a investigação, o atacante padecia de “uma forma de depressão” e terá recebido tratamento psicológico.
Além de estudar, Ali Sonboly, em regime de part-time, fazia a distribuição de um jornal local (Münchener Wochenblatt) com edição gratuita, rotina que terá cumprido pela última vez na manhã de sexta-feira. “No dia do tiroteio, cheguei a casa por volta do meio-dia e estava a distribuir jornais. Foi estranho porque ele costuma dizer pelo menos olá, mas, quando o cumprimentei não disse nada e parecia alheado do que se passava”, revelou um dos vizinhos, também citado pelo mesmo diário britânico.
Outro dos moradores do bairro conta que Ali era “desleixado” e que muitas vezes, em vez de distribuir as cópias dos jornais, limitava-se a atirá-las para o contentor do lixo.
O atacante residia com a mãe, que, de acordo com os vizinhos, quase nunca sai de casa, e com o pai, motorista de táxi, num edifício de habitação social.
Depois de Nice, no dia 14 de julho, e do ataque a um comboio na Baviera, na segunda-feira, este foi o terceiro atentado, em menos de duas semanas, a abalar França e Alemanha. Numa conversa telefónica durante o dia de ontem, Angela Merkel, chanceler alemã, e François Hollande, presidente francês, acordaram na necessidade de uma “cooperação mais próxima” em matéria de defesa. Na declaração que fez à comunicação social, a chefe do governo alemão falou numa “noite de horror” e enviou as condolências às famílias das vítimas.
Tudo aconteceu a 22 de julho de 2011. Cumpriram-se cinco anos na sexta-feira, o mesmo dia em que Ali David Sonboly levou a cabo o seu ataque no centro de Munique.
Anders Breivik, que reiteradamente vincou a sua admiração pela ideologia nazi, foi condenado em 2012 a 21 anos de prisão, a pena máxima na Noruega. Caso venha a considerar-se que já não representa um perigo para a sociedade, sairá em liberdade em 2033, aos 53 anos. No entanto, caso os juízes assim decidam, Breivik pode continuar preso para o resto da vida através de extensões sucessivas de cinco anos cada.
Neste ano, em abril, Breivik venceu um processo contra o Es- tado norueguês. O ter- rorista alegou que a sua detenção em regime de isolamento, privado de contacto com outros detidos e obrigado a permanecer no interior da sua cela entre 22 e 23 horas por dia, representava uma violação dos direitos humanos. Os juízes deram-lhe razão e o Estado apelou da sentença a 26 de abril.
Apesar da impossibilidade de contactar com outros presos, Breivik tem reservadas para si três celas – uma que funciona como quarto, outra como zona de estudo e outra como espaço para exercícios – e pode circular entre elas. Além disso, o homem que matou 77 pessoas em 2011 tem ainda ao seu dispor televisão, computador sem acesso à net, consola de jogos e está autorizado a cozinhar a própria comida.
Uma vez que a sua correspondência é alvo de censura prévia, Breivik também se queixou de o seu direito à privacidade estar a ser violado. As autoridades justificam a violação das cartas para prevenir que, a partir da prisão, consiga criar uma rede de extrema-direita com motivações terroristas.
Um dos sobreviventes do ataque na ilha, após ter sido o conhecido o desfecho do julgamento, disse que o veredicto em favor de Breivik era a prova de que a Noruega “tem um sistema judicial que respeita os direitos humanos mesmo nos casos mais extremos”. J.F.G.