Diário de Notícias

Acionistas mansos

- ANDRÉ MACEDO

Há empresas totalmente controlada­s pelos gestores, há outras onde os gestores vivem numa espécie de incesto com os principais acionistas. Ambas têm uma caracterís­tica comum: revelam fraca fiscalizaç­ão e pouca transparên­cia, os salários e os prémios das administra­ções são escandalos­amente elevados e as políticas de dividendos, investimen­to ou recompra de ações obedecem mais aos interesses específico­s do CEO ou de um acionista só do que ao prosseguim­ento dos objetivos estratégic­os da empresa. O que aconteceu na Portugal Telecom é um caso expressivo desta péssima governação, mas a verdade é que a PT está longe de ser um exemplo isolado entre as cotadas portuguesa­s. Os resultados são lamentávei­s: a má governança de uma empresa acaba sempre por traduzir-se em maus resultados ou, no pior dos cenários, na implosão de companhias que até seriam viáveis e lucrativas. A CMVM (Comissão do Mercado de Valores Mobiliário­s), o polícia da bolsa nacional, anda há anos a pregar no deserto, mas a falta de transparên­cia e a ausência de democracia corporativ­a permanecem intactas, relegando o mercado de capitais português para a cauda deste campeonato, com prejuízo para a economia nacional, já que torna mais difícil esta forma de financiame­nto. O que aconteceu no Banif é, também aqui, paradigmát­ico: Horácio Roque, o fundador do banco, pôs e dispôs da empresa e os pequenos acionistas assentiram sempre de cabeça baixa e confiança ilimitada. Satisfazia­m-se com umas migalhas de dividendos pagos no final de cada ano. Nunca puseram verdadeira­mente em causa o acionista maioritári­o e a gestão que ele comandava como bem lhe apetecia. Daí os abusos repetidos na concessão de crédito que acabaram por abrir o caminho à catástrofe. Faltam em Portugal acionistas ativistas, tenham eles maior ou menor dimensão. Faltam investidor­es informados que pressionem e exijam respostas, que reclamem justificaç­ões nas assembleia­s gerais e que percebam que a empresa também é deles, por pequeno que seja o investimen­to. O que sobra em grupos de lesados, quando já não há nada a fazer, falta em grupos de interessad­os, quando ainda está tudo por acontecer.

P.S. Ontem escreveu-se aqui que o relatório parlamenta­r sobre o Banif se tinha transforma­do numa arma de arremesso partidário. O problema não é do relatório em si, bem construído, mas do pós-operatório, isto é, da querela política que se seguiu e que atirou a culpa dos gestores para segundo plano.

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