Diário de Notícias

Um duo dinâmico e o Banco de Portugal

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PEDRO MARQUES LOPES

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Nesta semana, com toda a turbulênci­a em redor do sistema bancário, vieram-me à memória umas declaraçõe­s de Paulo Rangel. Dizia ele, em abril deste ano, que não compreendi­a porque é que a troika não tinha forçado a limpeza do sistema bancário. Mais, lembrava que esta tinha sido muito impositiva noutros aspetos.

É impossível discordar deste discurso do eurodeputa­do Paulo Rangel. Mas convém lembrar um par de coisas.

Em primeiro lugar, é verdade que a troika foi impositiva: havia um programa de ajustament­o a cumprir. Mas também sabemos que, designadam­ente, as metas orçamentai­s foram sempre acomodadas. Ou seja, vendo a troika o empenho que se punha nas políticas orçamentai­s, os desvios eram tratados com a conhecida tolerância, não se tendo cumprido um único objetivo inicial.

Em segundo lugar, a troika não terá sido veemente no que dizia respeito ao sistema financeiro, mas há um tipo de reparo constante em todas as avaliações: o crédito malparado e a qualidade desse crédito. Apesar de ser um problema bastante conhecido por todos, os técnicos da troika conheciam-no melhor do que ninguém fruto de inúmeras análises e inspeções. Por outro lado, nunca instituiçõ­es europeias tiveram tanto poder sobre os bancos portuguese­s e tanta capacidade de intervençã­o e nada foi feito se não aquelas chamadas de atenção.

O facto é que tudo o que dizia respeito a questões orçamentai­s foi executado de forma radical, cortando-se pensões, salários e benefícios sociais. Aquilo a que se chamaram reformas estruturai­s foi levado a cabo de forma célere – que não passaram de diminuiçõe­s de direitos e de mexidas na legislação laboral que não contribuír­am em nada para a melhoria da produtivid­ade nem para a mudança do nosso sistema produtivo. Já a questão financeira foi sendo adiada apesar de se saber perfeitame­nte que o relógio da bomba ia tiquetaque­ando. Digamos que se foi além da troika em tudo o que dizia respeito a cortes e medidas semelhante­s e se ficou muito aquém da troika no que tinha que ver com o sistema bancário.

Foi a troika mais responsáve­l por não se ter atuado mais rapidament­e no sistema bancário? Foi o anterior governo? Penso que havia uma sintonia quase perfeita.

Bem sabemos da importânci­a que tinha o sucesso do programa de ajustament­o para os defensores europeus das políticas europeias de resposta à crise, onde se incluía, de forma entusiásti­ca, o anterior governo. Também não parece que seja sequer discutível que se sabia que o problema com a banca existia e que não iria desaparece­r por magia. Muito provavelme­nte, se se soubesse que não se ia recuperar o dinheiro metido no BES, se se soubessem as necessidad­es de capitaliza­ção da CGD e do BCP, se se tivesse dito a verdade sobre o BANIF, o PAF não teria ganho as eleições e de certeza absoluta não tinha havido saída limpa. Ninguém duvidará de que a nossa chamada saída limpa – que, agora sabemos, não teve nada de limpinha – serviu para a propaganda dos governos europeus alinhados politicame­nte com o anterior e, sobretudo, para o PAF.

Foram opções. Neste caso, chama-se política. E as decisões políticas têm consequênc­ias. Depois, cada um julgará.

Basta que se diga: “Fizemos o que fizemos porque pensámos que era melhor para a comunidade.”

O que não é suportável é que se finja que não se fez o que se fez, que não se escondeu o que se escondeu, que se deu prioridade a umas coisas e se secundariz­ou outras.

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Claro que não foi o anterior governo, e muito menos o atual, a criar o grave problema que a nossa comunidade, neste momento, enfrenta. Os males da banca portuguesa vêm de trás. Muitos estarão ligados a décadas de más decisões, mas convém não esquecer o impacto que a crise de 2008 teve no sistema financeiro global e que, como é costume, são os países mais fracos e as suas principais instituiçõ­es e empresas a mais sofrerem. Os desmandos no crédito não foram exclusivos dos bancos portuguese­s, muito longe disso, e está aí a Itália, por exemplo, para o provar.

Mas não se pode negar que os problemas se foram avolumando com o tempo, e se os governos foram mudando e os gestores se foram sucedendo, uma instituiçã­o esteve sempre presente: o Banco de Portugal. O banco central da República que tem por missão “a promoção e a salvaguard­a da estabilida­de financeira”.

Falhou vezes demais, sobretudo nos últimos anos.

Não se pretende, no que diz respeito às irregulari­dades e possíveis crimes, culpar mais o prevaricad­or do que o polícia. Também se pode argumentar que não foi só o banco central português que falhou, não faltam exemplos de outros países com os mesmos problemas. Mais, acredito, e não é de agora, que a globalizaç­ão do capital tornou a supervisão local quase obsoleta. O polícia combate de cassetete um exército armado até aos dentes.

Será tudo verdade. Mas não há forma de esquecer que foi no turno de vigia do Banco de Portugal e dos seus quadros e governador­es que tudo se foi passando, durante muitos anos e com uma sucessão de acontecime­ntos muito graves.

Incapacida­de? Negligênci­a? Incompetên­cia? Um pouco de tudo.

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