Governo defronta “capelinhas” na gestão do mar
Embora em campos políticos opostos, Ana Paula Vitorino e Berta Cabral criticam pequenos poderes que debilitam economia azul
Apesar de Ana Paula Vitorino e de Berta Cabral estarem em campos políticos opostos – a primeira é a atual ministra do Mar no governo socialista de António Costa e a segunda deputada do PSD no Parlamento nacional e ex-secretária de Estado da Defesa –, as duas não podiam estar mais de acordo quanto à existência de “capelinhas” que dificultam o desenvolvimento da economia azul (do mar) em Portugal.
A ministra quer acabar com o problema e diz que só negoceia “até um certo ponto”. Vincou bem a mensagem em mais uma conferência-debate (a sexta de dez) destinada a assinalar os 30 anos de integração de Portugal na União Europeia (UE), desta feita sobre o mar e promovida na cidade açoriana da Horta, ilha do Faial. No encontro sobre “Política Marítima Integrada: balanço e desafios futuros”, realizado na Fábrica da Baleia, a ministra acabou por convergir com Berta Cabral quando esta – invocando a sua experiência governativa recente – reconheceu que “somos um país de capelinhas”. Onde “cada um quer ter a sua competência” sobre o mar, daí resultando custos acrescidos e a inexistência de sinergias para o desenvolver com eficácia. Ana PaulaVitorino foi ainda mais incisiva sobre o assunto: “Temos de fazer trabalho rendilhado para ir desmontando as capelinhas, mas se não vai a bem, vai a mal”, disse, assegurando uma “postura mais firme” do seu ministério quando estiverem em causa medidas que são para o “bem maior”.
Ana Paula Vitorino está decidida a mudar mentalidades para que “o mar deixe de ser poesia” e conotado apenas com algo que engrandeceu Portugal há 500 anos e passe a ser uma realidade económica, própria de uma população com “literacia oceânica”. O objetivo é claro: duplicar o peso do mar – que é atualmente de cerca de 2,5% do PIB – na economia nacional até 2020, de modo também a que a Política Marítima Integrada seja a oportunidade lograda por Portugal para “reforçar a sua liderança nos oceanos”.
A governante assume que pretende potenciar a rede nacional ligada ao setor e associá-la ao conhecimento internacional, e ainda atrair o “meio económico e social” para criar valor acrescentado e emprego, estando certa de que o investimento “sai barato porque existe financiamento (comunitário) específico” para o efeito. O ministério irá apresentar em setembro um pacote de medidas desburocratizadoras, um simplex para impulsionar a economia azul, visando a competitividade dos portos, melhoria da marinha mercante, da náutica de recreio e da aquacultura, sem descurar os recursos minerais e genéticos. A ministra não tem dúvidas de que, havendo regras “comuns e racionais” que permitam preservar e potenciar recursos numa lógica de exploração sustentável, Portugal não será ameaçado pela Política Marítima Integrada da UE.
A questão é que as metas ambiciosas traçadas pela tutela para o mar imenso acabam por tropeçar nos problemas orçamentais. Problemas esses que, vaticina Berta Cabral, se irão agravar quando for aprovada a extensão da plataforma continental marítima, embora nesta matéria Portugal tenha os seus direitos salvaguardados pelas leis das Nações Unidas. A deputada defende, assim, o reforço dos meios navais, aéreos e a aposta nas novas tecnologias para melhorar a fiscalização do mar português, assim
como parcerias quando estiver em causa o superior interesse nacional. Na verdade, frisou, a “concorrência” entre entidades ligadas ao mar “não pode impedir parcerias e a potenciação de recursos limitados”. Significa isto, a seu ver, que “tem de haver normas que obriguem a que navios de diversas instituições sejam postos ao serviço do interesse nacional” sempre que tal se justificar.
No que diz respeito à fiscalização, o secretário Regional do Mar, Ciência e Tecnologia dos Açores, Fausto Brito e Abreu, constata que “não temos condições para fazer fiscalização a sério no mar. (…) Investir em mais meios, com navios, não é forma de lá chegar. A resposta está na tecnologia”. A ministra aproveitou para anunciar que o seu departamento vai investir 30 milhões de euros em meios eletrónicos para a vigilância no espaço marítimo açoriano.
Fausto Brito e Abreu, que apelou a Ana PaulaVitorino para que resolva o problema de já não haver investigadores contratados no DOP há 22 anos, entende que a Política Marítima Integrada constitui uma oportunidade que “transcende a ameaça”, já que “estamos bem acompanhados” na UE. Aludiu ainda às riquezas existentes nos fundos marinhos açorianos que podem, através da biotecnologia, gerar ganhos para a indústria farmacêutica e cosmética. Ao contrário do que se poderia supor, o debate realizado na sexta-feira passada quase passou ao lado de um tema controverso, que é a eventual prospeção e exploração de minérios no mar profundo dos Açores. Serrão Santos relativizou essa opção, alegando que “ainda não é o tempo”…
Em setembro será lançado um simplex para a economia do mar