Grandes veleiros: quando passar o dia a ver navios até é uma coisa boa
Alguns dos maiores veleiros do mundo estão ancorados até amanhã no terminal de cruzeiros que fica junto à Estação de Santa Apolónia. A entrada é gratuita e nem o calor tem impedido muitos curiosos de os visitar
“Saímos de Acapulco em março, passámos pelo canal do Panamá, andámos pelas Caraíbas. Na Europa estivemos em Hamburgo, fizemos uma paragem em França. Depois começou a prova...”
A descrição da viagem do Cuauhtémoc pelo cadete Eduardo Parker, 20 anos, é dificultada pela música popular mexicana que sai, em altos decibéis, dos altifalantes do navio-escola classe A, de 91 metros, de longe a mais animada das dezenas de embarcações ancoradas no Tejo, em frente à Estação de Santa Apolónia.
Apesar do calor tórrido que se faz sentir, centenas de pessoas aproveitam a entrada livre para espreitar os participantes das The Tall Ships Races – as corridas dos grandes veleiros. Entre as bancas que vendem artigos junto ao ancoradouro, a mais popular é de longe a que vende chapéus. Logo a seguir vêm as águas frescas e refrigerantes.
E junto à rampa de acesso ao Cuauhtémoc – onde Parker faz as vezes de porteiro improvisado, fazendo esperar um grupo até que outro abandone o navio – a fila já vai longa. O marinheiro não parece acusar o calor. Continua sorridente, a cumprimentar cada visitante, enquanto vai prosseguindo a sua descrição.
“Fizemos muitos amigos aqui. Polacos, ucranianos, holandeses. Está a ser uma boa experiência”, conta. Já a entrar no último ano da formação, prepara-se para começar a carreira na marinha e continuar a velejar pelos sete mares: “Se Deus quiser, por muitos e muito anos.”
No interior, a mesma cortesia. Outro cadete espera cada visitante, segurando a mão de todas as senhoras, fazendo questão de pegar ao colo em todas as crianças e amparar todas as idosas na descida íngreme dos degraus que levam ao convés.
“São de longe os mais simpáticos”, confirma João Simão, 62 anos, que interrompemos quando está a fotografar a sua mulher num recanto do veleiro. “Fomos bem tratados pelas tripulações de todos os barcos onde entrámos, mas estes são especialmente simpáticos.”
A T-shirt com um barco a remos e a tatuagem no braço sugerem uma ligação ao mar. Mas não se confirma: “Não, nunca andei embarcado. Decidir vir aqui foi uma coisa de impulso. Vimos a reportagem na televisão e decidimos vir espreitar.”
Mas a estratégia de procurar aficionados dos barcos pela indumentária com que se apresentam há de dar os seus frutos. Com “Born to sail” (nascido para velejar) escrito em letras garrafais no polo azul, Pedro Martins, 28 anos, confirma-se mais do que um simples curioso.
Não é que tenha dedicado a sua vida à vela – “trabalho na área da contabilidade”, confessa –, mas a ligação existe. “Fiz vela quando era mais novo. Depois, há dois anos, fui tirar o curso de patrão de costa”, conta, admitindo que “ter o próprio barco” é um sonho. “Para já, vou andando nos barcos da escola.”
Quatro classes, quatro etapas A The Tall Ship Races – batizada de Os Gigantes do Mar pela organização portuguesa – é uma regata de grandes veleiros, com 60 anos de tradição. Começou em 1956 e foi-se realizando até aos dias de hoje. O principal objetivo – o que explica a participação de vários navios-escola nas provas – é “promover o treino de vela e mar junto dos jovens de todo o mundo”. As rotas ligam sempre cidades europeias, ainda que participem tripulações de todo o mundo.
Este ano a competição começou em Antuérpia, a 7 de julho. Lisboa é a segunda etapa de uma prova que inclui ainda partidas dos portos de A Coruña e de Cádis, ambos em Espanha.
São também quatro as categorias dos navios participantes. Na categoria A – na qual Portugal está representado pelo Creoula (67,1 metros) e pelo Santa Maria Manuela (68,6). Regra geral, os maiores navios estão na classe A e os menores na D, mas não é a dimensão e sim as características da embarcação a definir a classe. O maior navio com a bandeira nacional – e um dos maiores do evento, entre 42 participantes – está na classe B. Chama-se Polar, tem 109 metros de comprimento e foi entregue à Marinha Portuguesa em 1983, numa troca pelo Sagres I. Continua a ser utilizado para treinar cadetes.
Os veleiros ainda podem ser visitados hoje, das 10.00 à 01.00. O open do evento decorre amanhã, das 10.00 às 16.00, seguido de desfile no Tejo.