Diário de Notícias

Delação premiada. Ou como para alguns o crime compensa

Há condenados da Lava-Jato a viver em mansões com penas reduzidas a um décimo, enquanto outros amargam em celas minúsculas

- JOÃO ALMEIDA MOREIRA, São Paulo

Pedro Barusco vive numa mansão com piscina, courts de ténis e vista sobre o Atlântico na exclusiva Praia da Joatinga, na Barra da Tijuca, zona leste do Rio de Janeiro. Nas últimas semanas, foi fotografad­o de copo de whisky numa mão e charuto na outra, enquanto lia um jornal, provavelme­nte com as últimas do escândalo da Petrobras, empresa pública que extorquiu ao longo de décadas. Por esse crime foi condenado a 47 anos, sete meses e 10 dias de prisão na Operação Lava-Jato. No entanto, como assinou um acordo de delação premiada com a justiça e devolveu parte do que desviou, viu a pena reduzida para dois anos e ganhou o privilégio de viver em regime aberto na sua luxuosa casa.

No total, a Lava-Jato já reduziu em 326 anos as penas dos 15 principais delatores – de 400 para 74. AlbertoYou­ssef, o principal operaciona­l do esquema do petrolão, por exemplo, foi condenado a quase 80 anos por crimes como lavagem de dinheiro e organizaçã­o criminosa, mas cumprirá menos de cinco, parte deles em casa, por ser delator. Pelo mesmo motivo, o antigo diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, com pena de quase 75 anos, passará três anos com pulseira eletrónica, em prisão domiciliar.

Condenado a 19 anos de prisão na Lava-Jato, Marcelo Odebrecht, presidente da empresa de construção que leva o seu apelido, é um dos últimos – já são mais de 50 – a fechar acordo de delação premiada. Justifica-se: “Se fôssemos somar as penas de todos os crimes individuai­s aos ilícitos da empresa, as penas dele somariam mais de dois mil anos de prisão”, disse há tempos o juiz da Lava-Jato Deltan Dellagnol.

Como a Lava-Jato é quase unânime para o cidadão comum, criticar a delação premiada, um dos pilares da investigaç­ão da superestre­la juiz Sérgio Moro, não é popular. Mariz de Oliveira, dos principais criminalis­tas do Brasil, foi obrigado a declinar o convite do presidente interino Michel Temer (PMDB) para a pasta da Justiça por ter encabeçado um movimento de juristas críticos da Lava-Jato em geral e da colaboraçã­o premiada em particular.

Na classe política, o deputado Wadih Damous propôs alterações legais ao funcioname­nto da delação, mas por ser do PT, um dos partidos mais atingidos pela Lava-Jato, foi acusado de ter como objetivo promover a impunidade.

Outro congressis­ta, o presidente do Senado Renan Calheiros (PMDB), sob investigaç­ão no petrolão, não criticou a delação premiada em público. Mas numa gravação tornada pública manobrava alterações à lei em conversa, ironicamen­te, com um dos principais delatores da Lava-Jato, o ex-presidente de uma subsidiári­a da Petrobras, Sérgio Machado.

Com os relatos da vida faustosa de Barusco e outros, porém, surgem agora os primeiros críticos da delação na imprensa. A colunista de O Estado de S. Paulo Eliane Cantanhêde escreve que o ex-gerente da Petrobras e alguns parceiros “roubaram, roubaram e roubaram dinheiro público, mas como delataram os outros em vez de celas inóspitas, macacões coloridos, banhos frios e ranchos indigestos, vão lamentar a sorte em mansões de milhares de metros quadrados”, citando como contrapont­o o caso de condenados, como o antigo ministro do PT José Dirceu, que se recusam a falar e, por isso, vivem em cela. Em defesa da colaboraçã­o Para os juízes da Lava-Jato, o preço a pagar pela delação premiada justifica-se porque “nasce da necessidad­e de o Estado vencer a omertà, ou pacto de silêncio, estabeleci­do entre os criminosos”, disse o juiz Alexandre Sampaio à BBC Brasil. Para ele, “o instrument­o é essencial para investigar quadrilhas que contam com o poder dos criminosos para impedir e obstruir a descoberta da verdade”.

Um juiz da Lava-Jato, Paulo Roberto Galvão, assegura que “os acordos de colaboraçã­o seguem a regra de que só são feitos quando trazem muitos benefícios para a sociedade”. “É como trocar peixe por cardume”, costuma dizer Moro, amparado nos métodos da justiça americana e dos jovens juízes italianos que comandaram a Operação Mãos Limpas, nos anos 1990. E enquanto uns gozam do privilégio de denunciar e outros amargam no cárcere, o debate continuará.

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