Diário de Notícias

A vida dupla de Montgomery Clift, a estrela relutante de Hollywood

Chegou, a par de Marlon Brando, a ser o ator mais desejado de Hollywood. Fez apenas 17 filmes. Morreu há 50 anos

-

JOÃO GOBERN “Quero saber quanto é que Montgomery Clift recebeu pelos filmes que fez. Depois, consideran­do o seu maior pagamento, quero ganhar mais um dólar.” A frase é atribuída a Marlon Brando por biógrafos dos dois atores que chegaram a partilhar o lugar cimeiro nos desejos e interesses dos estúdios de Hollywood, apesar de partilhare­m pouco mais do que os enormes talentos de que dispunham e de assumirem, também em “sociedade”, o exemplo de sucesso do Método (um sistema de aprendizag­em para quem representa­va) que tornou famoso o Actor’s Studio de Lee Strasberg.

Foram praticamen­te contemporâ­neos – apesar de Monty ser quatro anos mais velho – na troca dos palcos da Broadway pelos plateaux do cinema, ambos entregues às mãos do experiente Fred Zinnemann, cineasta de origem austríaca que antecipara os conflitos na Europa, fixando-se no continente americano.

A Clift coube protagoniz­ar Anjos Caídos em que se estreou logo por vestir a farda militar e que lhe rendeu a primeira nomeação para o Óscar. Ao primeiro filme, só houve mais cinco na história do cinema a conseguir este efeito “tiro e queda”: Orson Welles, Paul Muni, Lawrence Tibbett, Alan Arkin e… James Dean. Já Brando foi chamado para cabeça de cartaz de O Desesperad­o, que se debruça sobre a vida de um antigo militar, paralisado da cintura para baixo.

Clift e Brando haveriam de cruzar-se, anos mais tarde, para a rodagem de O Baile dos Malditos. Por essa altura, o homem que encarnou O Padrinho já assumira as suas célebres teimosias – insistiu em assumir uma das cenas mais arriscadas previstas no guião e acabou por deslocar um ombro. Foi Monty que lhe valeu, partilhand­o o seu secreto cocktail de álcool e calmantes, que ajudou a aliviar as intensas dores de Marlon. Este sentiu-se no dever de avisar o parceiro dos perigos do caminho que estava a seguir, citando o dramático exemplo dos excessos da sua própria mãe.

Mas era tarde demais: a estrada autodestru­tiva de Montgomery Clift estava traçada e não conheceria desvios substancia­is. Quando escreveu a sua autobiogra­fia, Brando referiu-se a Monty como “um amigo”. Não haveria muitos a poder fazê-lo, tal era o desdém de Clift pelo mundo do cinema. Olivia De Havilland, a centenária sobreviven­te de E Tudo o Vento Levou, contraceno­u com Monty em A Herdeira, e com ele manteve uma relação cordial, mas distante. Nomes menores como Kevin McCarthy, William LeMassena ou Libby Holman figuram entre os incondicio­nais.

Maior destaque merece Elizabeth Taylor. Além dos três filmes juntos (ver textos ao lado), ficaram ligados pela tragédia: quando Monty sofreu o acidente de viação que o deixou desfigurad­o e (ainda mais) deprimido, vinha de um jantar em casa de Liz, num intervalo das filmagens de A Árvore da Vida. De acordo com alguns relatos, Miss Taylor terá sido das primeiras pessoas a chegar junto do amigo acidentado e terá, inclusivam­ente, impedido que Clift morresse sufocado por um dente que, entalado na garganta, o impedia de respirar.

Depois, quando John Huston afinava o elenco para Reflexos num Olho Dourado, Liz convenceu o realizador (que conhecia Monty de Os Inadaptado­s e de Freud, Além da Alma) a fazer regressar em alta o periclitan­te ator. Com uma promessa: se algo corresse mal, Miss Taylor abdicaria do seu próprio salário. O gesto, nobre, revelou-se tardio: Montgmery Clift morreu antes do início da rodagem. Foi substituíd­o por... Marlon Brando. O ódio a Hollywood Há mais dois nomes relevantes nas relações de Monty, que, pela amplitude, revelam o enigma que vivia neste homem. Primeiro: Marilyn Monroe, também ela frequentad­ora do Actor’s Studio. Durante as filmagens de Os Inadaptado­s, a estrela de Niagara chegou a declarar isto: “Monty é o único ser humano que conheço que está em condições piores do que as minhas.” Que Clift estava mal ninguém põe em causa. Já “o pior” foi um juízo falhado: Marilyn Monroe morreria poucos meses depois, Monty haveria de resistir até 1966.

Segundo: Greta Garbo. A reclusa diva, muito ciosa da sua privacidad­e, o que também se passava com Monty, descobriu no jovem ator um discreto sócio para as suas conversas e desabafos. Terão, logo num dos primeiros encontros, estabeleci­do uma salvaguard­a: as conversas não poderiam derivar para o cinema, para o trabalho e para os estúdios.

Ao contrário de muitos dos seus colegas iniciados no teatro, que nunca perdiam a mira apontada a Hollywood, Montgomery Clift foi uma das mais relutantes estrelas da sétima arte. Por um lado, essas reticência­s vinham do circuito em que se movia e em que avultavam os céticos face ao real valor dos filmes e do star system imposto pelos estúdios. O facto de ser um “protegido” de lendas da Broadway, como o casal Alfred Lunt e Lynn Fontanne, que o acolheu por longas temporadas na propriedad­e rural que mantinha no Wisconsin e que chegou a oferecer-lhe uma fotografia assinada com a dedicatóri­a “dos teus verdadeiro­s pais”, terá estado na base daquilo que acabou por valer como Montgomery Clift foi a primeira escolha de Elia Kazan para A Leste do Paraíso, filme que acabou por ser o primeiro de relevo da carreira de James Dean um adiamento de alguns anos. A poderosa Metro Goldwyn Mayer propôs-lhe um contrato de sete anos, desafio sem paralelo para quem ainda não tinha um só filme no currículo – Clift recusou.

De resto, ao longo dos anos dourados da sua carreira, antes das crises que o transforma­ram em proscrito, Monty deu-se ao luxo de responder negativame­nte a propostas que outros agarraram com sofreguidã­o. Bastará citar três exemplos: o papel principal em O Crepúsculo dos Deuses, apesar de Billy Wilder ter alegadamen­te concebido para ele a personagem, mas acabando por entregá-la a William Holden (nomeado para o Óscar); o topo do cartaz de O Comboio Apitou Três Vezes, de Fred Zinnemann, de que Gary Cooper tomou conta (ganhando o Óscar); e, por fim, em A Leste do Paraíso, de Elia Kazan, o inesquecív­el Cal Trask, que ajudou a imortaliza­r James Dean.

Estas guerras estender-se-iam até finais da carreira de apenas 17 longas-metragens: na sequência dos seus múltiplos problemas de saúde ao longo da rodagem de Freud, Além da Alma (1962), a pro-

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal