Os muitos mundos da guineense Karyna Gomes em Porto Covo
Antes de subir ao palco para abrir o segundo dia do Festival Músicas do Mundo, a cantora confessou ao DN estar a viver um sonho por poder mostrar a nova música do seu país
Faltava pouco para subir ao palco quando Karyna Gomes se cruzou com o DN nos bastidores do Festival Músicas do Mundo, que neste segundo dia em Porto Covo deu especial destaque aos ritmos oriundos do continente africano – além da cantora guineense atuaram também os malianos Bamba Wassoulou Groove e o brasileiro BNegão, que mescla as sonoridades negras com rock, jazz e samba. “Vou dar o meu melhor, é o que posso prometer. Estou muito contente por estar cá, porque toda a gente que atua na área da world music sonha em estar presente um dia neste festival. É um sonho realizado, é só o que consigo dizer”, começou por confessar, com o tradicional nervosismo dos artistas antes de enfrentarem o público. E era já muito o que por esta altura quase lotava o Largo Marquês de Pombal, em Porto Covo.
Karyna Gomes, 40 anos, editou o disco de estreia Mindjer apenas em 2014, mas já é considerada uma verdadeira diva da nova música africana de origem lusófona, pelo modo como mistura a tradição musical do seu país, materializada em instrumentos tradicionais como a kora, com géneros mais urbanos como a soul e o R&B.
“Procuro sempre fazer o exercício contrário e esvaziar-me desse estatuto, para me encher do que é essencial para continuar a trabalhar. Prefiro encarar isso como uma responsabilidade para dar às pessoas tudo aquilo que esperam de mim em palco. A partir do momento em que temos um estatuto, e não sei se o tenho, temos de honrar essa responsabilidade, porque é algo vindo de quem nos ouve”, explica.
Natural de Bissau, Karyna Gomes é filha de pai guineense e mãe cabo-verdiana e desde muito cedo começou a ouvir todo o tipo de música, dos clássicos cubanos e brasileiros à soul e ao jazz, passando ao pop de Michael Jackson ou Whitney Houston. Começou a cantar em meados dos anos 1990, no coral de gospel brasileiro Rejoicing Mass, durante o período em que estudou Comunicação no Brasil, ao abrigo de uma bolsa de estudo. Aí tomou também contacto com a bossa nova, outra das suas mais assumidas influências musicais. Tudo isso faz hoje parte da sua música, mesmo quando cantada em crioulo, algo de que não abdica. “A nossa verdadeira identidade é a língua. Quando nascemos somos como um CD virgem e ao longo da vida vamos gravando tudo o que nos molda culturalmente. Hoje em dia, o meio em que crescemos mistura-se com influências do mundo todo, especialmente numa época em que o ser humano viaja cada vez mais e tem acesso a toda a informação através da internet. Sou uma cantora urbana, mas que também tem uma raiz tradicional, como quase todos os músicos africanos. A minha música é isso mesmo, a minha música da Guiné”, defende.
E a verdade é que não é preciso entender as palavras para se sentir a música. “Costumo dizer que a música mestiça é aquela que toca toda a gente, porque tem várias costelas, tal como eu. É um cliché, eu sei, mas a música é mesmo uma linguagem universal.” Ainda recentemente teve a prova disso mesmo, num dueto com um cantor islandês. “Encaixou-se muito bem no meu ritmo africano, sem deixar de cantar na língua dele. Até hoje não sei o que ele estava a dizer, mas fica a ideia que realmente interessa: o planeta é o mesmo, é iluminado pelo mesmo Sol e estamos todos unidos.” Tal como toda esta gente, ontem, ali em frente ao palco se juntou para a ouvir.