Diário de Notícias

O que faz os monarcas abdicar?

HOLANDA, QATAR, BÉLGICA, ESPANHA E AGORA JAPÃO

- SUSANA SALVADOR

Em janeiro de 2013, a rainha Beatriz da Holanda anunciou que ia abdicar a favor do filho, Guilherme Alexandre. Cumpria uma tradição familiar, já que a avó e a mãe também tinham feito o mesmo no seu tempo, e apesar de a decisão ter apanhado os holandeses de surpresa, foi recebida com normalidad­e. Nesse mesmo ano, o emir do Qatar e o Rei dos Belgas seguiram-lhe o exemplo. Mas a abdicação ainda é um tema tabu no Japão, com o imperador Akihito a nem sequer poder usar essa palavra numa declaração quase inédita na qual disse estar preocupado com o avançar da idade e a capacidade de continuar a cumprir o seu dever.

“Quando penso que a minha capacidade física está a diminuir gradualmen­te, fico preocupado que possa tornar-se difícil para mim desempenha­r os meus deveres como símbolo do Estado com todo o meu ser como tenho feito até agora”, disse Akihito, de 82 anos, numa mensagem pré-gravada de cerca de dez minutos, transmitid­a ontem em várias estações de televisão japonesas. Lembrando que existe a possibilid­ade de ser nomeado um regente quando o imperador já não pode cumprir os deveres, Akihito sugeriu que essa não é a melhor opção.

É o mais próximo que o imperador pode chegar de dizer que quer abdicar sem na realidade o dizer, já que isso poderia ser visto como ingerência política e o seu cargo não o prevê. Segundo a constituiç­ão (imposta pelos EUA após a derrota na II Guerra Mundial), o imperador é o símbolo do Estado e da unidade do povo e serve até à morte, razão pela qual não existe qualquer lei sobre a abdicação. Terá de ser o governo a tomar essa decisão.

O primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, reagiu de imediato dizendo que o executivo vai analisar “seriamente” a situação e discutir o que pode ser feito. Uma sondagem recente, feita pela agência de notícias Kyodo, concluiu que 85% dos japoneses acreditam que a abdicação deve fazer parte da lei. Mas muitos conservado­res são contra a ideia, temendo que o debate sobre este tema possa levar a um outro, sobre o futuro da família imperial, e a abrir caminho à ascensão das mulheres ao Trono do Crisântemo.

O facto de o príncipe Naruhito, o atual herdeiro, ter tido uma filha em 2001 (após oito anos de casamento com Masako, que sofrera um aborto em 1999) desencadeo­u o debate sobre uma sucessão no feminino, até porque o irmão mais novo, Akishino, também tinha duas filhas. Mas em 2006 nasceu Hisahito e a reforma da lei que estava a ser planeada foi completame­nte abandonada. Aos 9 anos, Hisahito é o terceiro na linha de sucessão, depois do tio, Naruhito, de 56 anos, e do pai, Akishino, de 50 anos.

Caso a lei seja alterada, a abdicação de Akihito (que sucedeu ao pai Hirohito em 1989) será a primeira no Japão desde a de Kokaku, em 1817. Mas até ao século XIX, quando foi estabeleci­do o culto do imperador, a maioria optava por deixar o trono.

Motivos Lembrando o “rápido envelhecim­ento da sociedade”, Akihito disse na sua intervençã­o (apenas a segunda em 27 anos no trono) querer falar de qual deve ser o papel do imperador numa altura em que ele próprio envelhece. Maior esperança média de vida não significa que seja possível manter as capacidade­s mentais e físicas necessária­s para continuar no cargo. Mas não é só a saúde que preocupa o imperador, que falou também “numa nação e num mundo que estão em constante mudança” – quando a pressão dos media é constante.

A rainha Beatriz da Holanda abdicou quando tinha 75 anos, dizendo que era altura de “colocar a responsabi­lidade do país nas mãos de uma nova geração”. Em causa não estavam as questões de saúde, que foram o argumento do papa Bento XVI – o Vaticano é uma monarquia eletiva (ver caixa) – e seriam o de Alberto II, o Rei dos Belgas.

“A minha idade e a minha saúde já não me permitem desempenha­r os meus deveres como gostaria”, afirmou Alberto II em julho de 2013, aos 79 anos, sendo o primeiro monarca a abdicar voluntaria­mente (o pai, Leopoldo III, foi obrigado a fazê-lo após a II Guerra). Mas a decisão surgiu depois de ser alvo de um processo de paternidad­e.

Uma sucessão de escândalos na família real espanhola, acrescidos aos problemas de saúde, também lançaram os rumores da abdicação do rei Juan Carlos, que se viria a concretiza­r em 2014. O monarca, então com 76 anos, disse que era altura de passar o testemunho a “uma geração mais jovem, com novas energias, decidida a empreender com determinaç­ão as transforma­ções e reformas que a atual conjuntura pede”. A abdicação a favor de Felipe foi também uma forma de dar um novo rosto à monarquia, restabelec­ida após a morte de Franco.

Mas não é só na Europa que a abdicação dos monarcas se tornou comum – apesar de, no caso da mais velha monarca do continente, a rainha Isabel II, o tema estar totalmente fora de questão. Em 2013, o emir do Qatar surpreende­u todos com a sua decisão. “Chegou a hora de abrir uma nova página no percurso da nossa nação, que verá uma nova geração assumir responsabi­lidades”, afirmou Hamad bin Khalifa Al Thani, quando renunciou, aos 61 anos. Foi uma estreia na região do Golfo.

Sondagem: 85% dos japoneses defendem lei que regule abdicação

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Japoneses veem declaração de Akihito num ecrã gigante num prédio de Tóquio. Foi a segunda vez que o imperador se dirigiu ao povo – a primeira foi após o terramoto e tsunami de 2011

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