Diário de Notícias

“Abdicar é um sintoma de imensa responsabi­lidade e desapego do poder”

O responsáve­l da associação que tem por missão defender o ideal monárquico em Portugal acredita que a abdicação dos monarcas não cria constrangi­mentos a quem lhes sucede

-

Como vê os casos recentes de monarcas que abdicaram? Julgo que devem ser vistos com naturalida­de e percebendo em cada caso as motivações envolvidas. Se pudéssemos generaliza­r diríamos que o exercício das funções de chefia do Estado é muito exigente e parece-me constituir um sintoma de imensa responsabi­lidade e desapego do poder a decisão de um monarca de, por razões de idade ou de saúde, abdicar por sentir que já não pode cumprir com a mesma competênci­a e rigor as referidas funções. Tem como objetivo renovar a monarquia? Sim. Tem como objetivo dar espaço para que uma energia nova e novas competênci­as possam ser postas ao serviço da coisa pública. O mesmo aconteceu, por exemplo, com o papa Bento XVI e julgo que todos os cristãos entenderam essa abertura de espaço para um tempo novo de renovação. Torna-se incontorná­vel com a maior longevidad­e dos monarcas? Claro. A longevidad­e de todos os seres humanos aumenta. No entanto parece-me muito importante que se reconheça o contrário. O valor que para a chefia dos Estados democrátic­os tem a continuida­de no exercício do poder. Num mundo globalizad­o como o nosso, em que as chefias de Estado têm uma enorme influência de representa­ção institucio­nal, de representa­ção nacional e de negociação internacio­nal, os monarcas têm pela sua notoriedad­e e experiênci­a melhores aptidões do que os presidente­s da República. Todos reconhecem o rei de Espanha ou a rainha de Inglaterra. Mas provavelme­nte poucos saberão dizer o nome do presidente de Itália ou do presidente da Alemanha. Devia haver algum limite de idade que obrigasse os reis abdicar? Julgo que não. Não foi preciso regras para observarmo­s este movimento que é natural e que não tem um padrão. Como não tem no exercício de outras funções. É o reconhecer, por parte de quem abdica, de que as suas capacidade­s já não são as mesmas? Sim, claro. E abrir espaço a novas ideias e a uma energia nova. É mais difícil para quem sucede exercer funções na presença de quem abdica? Julgo que não. Não tenho visto qualquer constrangi­mento desse tipo, por exemplo, no exercício de funções de Filipe VI, rei de Espanha, nem noutros exemplos de abdicação. Como não vejo no exemplo que já dei entre o papa emérito Bento XVI e o Papa Francisco. Esse caso da abdicação no Vaticano, uma monarquia eletiva, foi um sinal dos tempos? As monarquias democrátic­as são sempre legitimada­s pela vontade popular. A aclamação constitui o símbolo dessa adesão. Mas além disso, em democracia existem sempre meios de legitimar o regime. Veja-se o exemplo do referendo recente na Austrália e, ao contrário, o que se passa na maioria das ditaduras (quase invariavel­mente repúblicas) e até o caso português, em que a república nunca foi sufragada pelo voto. Começou por uma revolução violenta numa altura em que o Partido Republican­o representa­va cerca de 7% do eleitorado. A.B.F.

Aconteceu com o papa Bento XVI e os cristãos entenderam essa abertura de espaço

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal