Diário de Notícias

Há dez anos que este povo de Cem Soldos dá Bons Sons

Música portuguesa volta nesta semana à aldeia do concelho de Tomar. O Bons Sons mantém-se fiel aos seus princípios e já tem notoriedad­e, só faltam apoios financeiro­s

- MARIA JOÃO CAETANO

Os velhotes falam para a câmara como se ela não estivesse ali. Contam histórias de quando eram crianças, dos primeiros namoricos, dos bailes da aldeia. Um deles é José Morengo, aquele que há dois anos, no spot do Bons Sons, convidava toda a gente a ir a Cem Soldos. “Na altura, era a pessoa mais idosa da terra, entretanto já morreu. O que só nos fez pensar que, de facto, este trabalho documental que estamos a fazer é importante e que devemos continuá-lo”, explica Miguel Atalaia, um dos autores do documentár­io Este Povo, que será apresentad­o no primeiro dia do festival Bons Sons, na próxima sexta-feira.

Na verdade, o projeto vai muito para além deste documentár­io sobre o povo de Cem Soldos. “Decidimos fazer um arquivo digital com as memórias das pessoas da terra”, conta Miguel, designer que faz parte da equipa do festival. Juntaram-se as vontade de um grupo de jovens – uns com experiênci­a em vídeo, outra com um curso de gerontolog­ia, outros só com interesse pela ideia – e há um ano e meio começaram a entrevista­r os mais velhos da aldeia. “Mas também aqueles que sabíamos que seriam felizes a contar-nos a sua história, que não se sentissem constrangi­dos”, explica Miguel Atalaia. O arquivo digital está ainda em construção e as entrevista­s vão continuar, garante. Mas, para já, fizeram este documentár­io. Como uma primeira amostra do potencial do material que já têm.

O filme Este Povo é o exemplo acabado do que é especial no festival Bons Sons – não só pelo modo como foi feito mas sobretudo por mostrar tão bem a ligação entre o festival e a aldeia que fica a cerca de cinco quilómetro­s de Tomar. “Este festival nasce de dentro para fora, da nossa vontade, dos cicladense­s, de fazer um festival”, explica Luís Ferreira, diretor artístico do Bons Sons.

No ano em que se assinalam os dez anos do festival dedicado exclusivam­ente à música portuguesa, Luís Ferreira está feliz por o evento ser cada vez mais reconhecid­o (em março ganhou o prémio de melhor festival médio ibérico), mas também sabe que o segredo do sucesso passa por se manter fiel aos seus princípios: “Temos limites, sabemos que o festival não pode crescer mais do que as 40 mil pessoas. Este fascínio pelos megaevento­s acaba por ser um tiro no pé porque esmaga a vivência do próprio evento. Nós não vamos deixar que isso aconteça. A vivência da aldeia é essencial.” A aposta não é para que venham mais pessoas ao Bons Sons mas para que as pessoas venham mais vezes, ao longo do ano, a esta aldeia, e, para isso, há já outros projetos culturais.

Nos quatro dias de evento, a aldeia de Cem Soldos é fechada, tornando-se ela própria o recinto do festival. A organizaçã­o é da responsabi­lidade da associação cultural local e toda a produção é assegurada por voluntário­s – seja a equipa de cerca de cem pessoas, sejam as pessoas da terra, sejam outros voluntário­s, num total de 400 pessoas a trabalhar sem ganhar para pôr de pé este evento. “Fazemos tudo, programaçã­o, gestão de palcos, plano ecológico... temos muito poucas subcontrat­ações.” O que continua a faltar a isto tudo são os apoios financeiro­s: cada edição representa um investimen­to na ordem dos 450 mil euros, dos quais apenas 20% são financiame­ntos externos. “É um festival autossuste­ntado e isso é bom, mas é um risco enorme para a aldeia”, diz Luís Ferreira.

Que esse pormenor não perturbe a festa. Para assinalar os dez anos, pela primeira vez o festival tem artistas repetentes – dez, de todas as edições anteriores. Sem concessões ao popularism­o. “O Bons Sons continua a ser um lugar de encontros, entre o local e o nacional, entre o mais novo e o mais velho, entre o consagrado e a revelação, entre o hipster e o freak, há espaço para tudo na aldeia.”

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Durante o Bons Sons, a aldeia é fechada e transforma-se, toda ela, no recinto do festival. Os palcos são integrados nos espaços da terra
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do festival Bons Sons, é um dos jovens da terra
Luís Ferreira, diretor artístico do festival Bons Sons, é um dos jovens da terra

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