Diário de Notícias

Os senhores do teatro continuam de pé. Agora no Politeama

As Árvores Morrem de Pé sobe ao palco do Teatro Politeama, encenado por Filipe La Féria. Dois elencos cruzam Eunice Muñoz, Ruy de Carvalho, Manuela Maria e João d’Ávila

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O encenador Filipe La Féria (no centro), com o elenco da peça As Árvores Morrem de Pé, que se estreia na quinta-feira em Lisboa

MARIANA PEREIRA Eunice Muñoz e Manuela Maria entram de mãos dadas e a fazer jus ao título da peça em que partilham a mesma personagem. As Árvores Morrem de Pé. Escrita pelo espanhol Alejandro Casona e com estreia em 1949, no Teatro Ateneo de Buenos Aires, onde o dramaturgo estava exilado, a peça sobe na quinta-feira ao palco do Teatro Politeama, em Lisboa, encenada por Filipe La Féria. Era um projeto que este tinha com Eunice Muñoz e Ruy de Carvalho, que partilha a personagem com João d’Ávila, contou ontem o encenador na conferênci­a de imprensa.

“Quando era miúdo, assisti no Teatro Avenida” à peça protagoniz­ada por Palmira Bastos, então com 90 anos. E não foi só La Féria. Em 1966, “Portugal parou para ver As Árvores Morrem de Pé”, transmitid­o na televisão, recorda. E muitos lembrarão esta frase: “Morta por dentro, mas de pé, de pé, como as árvores.”

Palmira Bastos foi “a mestre” de Eunice Muñoz, que só em setembro estará em cena. Como ela fará agora, a atriz, que morreu em 1967, foi a avó nesta peça de Casona. No final de julho, Muñoz sofreu uma intervençã­o cirúrgica ao coração, e acabaria por atravessar o seu 88.º aniversári­o no hospital. A voz ainda está baixa, mas serve já para evocar este “velho compromiss­o que tinha com o Filipe, de fazer esta peça no Politeama”.

Ao DN, a atriz diz que “já tinha entendido” aquela personagem a que vai dar vida, “e já tinha estado a trabalhar nela. Agora fixar determinad­as coisas e reações e sentimento­s, como se fossem meus...” Mas afirma que tudo se torna mais fácil com a idade, “porque há uma maior experiênci­a, já se viveu mais, é mais profunda”. Em setembro, “se Deus quiser”, estará no palco. Até lá, terá de ensaiar “pensando, lendo, imaginando. E trago a experiênci­a que já vem de trás, do mês em que estive a trabalhar com o Filipe”.

Na quinta-feira, Manuela Maria fará o papel dessa avó. “Acho que é um atreviment­o”, dizia perante uma plateia de jornalista­s e os restantes atores do elenco, como Carlos Paulo ou Hugo Rendas. Eunice abana a cabeça. São amigas de longa data. “É uma honra muito grande, como devem calcular. Sou uma grande admiradora [da Eunice Muñoz]. É a nossa grande atriz.Vi a Palmira Bastos. Agora quando reli fiquei admiradíss­ima porque não me lembrava de mais nada a não ser dela. Só me lembro de ver a D. Palmira.”

Ao lado da atriz estará Ruy de Carvalho, que espera “fazer os 90 anos cá na companhia”, em março. “É um avô que quer fazer feliz a sua mulher, porque ela está infeliz por motivos familiares. Por isso é que se vai encontrar com a tal Causa [espécie de partido que tem como objetivo tornar as pessoas felizes]”, diz da sua personagem. A peça, adianta, “acaba de uma maneira mesmo de dizer que as árvores morrem de pé, mesmo quando têm muitos desgostos, mesmo quando a vida é muito difícil. E isso pode até transplant­ar-se para os portuguese­s. Nós somos umas árvores que aguentamos muito, e morremos de pé”.

Esse avô, que recorre à tal Causa para esconder à mulher os motivos que lhe dá o neto para ficar desgostosa, será também interpreta­do por João d’Ávila. Os dois alternarão, como Manuela e Eunice. O ator diz não se sentir minimament­e nostálgico de outros tempos quando se cruza com aqueles colegas em cena. Além disso, diz que ainda hoje, aos 82 anos, de cada vez que sobe ao palco “é como se qualquer coisa em nós se renovasse”. “Dá a sensação de que cada peça que faço é a primeira vez que a faço. Que nunca fiz nada para trás, e que é uma coisa completame­nte nova para mim. Nós vamos sentindo que a personagem está a crescer e que está a reagir por si, a comandar-nos.” O culminar disso é vê-lo de fora, “como se estivesse a dirigilo como uma marioneta”.

La Féria está visivelmen­te contente. De Casona diz que é“um grande autor, um filósofo” e põe o seu teatro poético ao lado do também espanhol e contemporâ­neo a Casona, García Lorca, evocando ainda Luigi Pirandello, o homem do teatro dentro do teatro, que mostrou a vida como esse teatro. Conseguiu o seu “elenco de luxo, crème de la crème” para uma peça que diz fazer que acabe “sempre tudo a chorar”.

“Ainda ontem estava a ver o Carlos [Paulo, que faz de encenador na peça] e a Maria João [Abreu, “introverti­da e à beira do suicídio”], e emocionei-me. Assim será, mesmo que o espectador português vá ao teatro “sempre um bocadinho contra”. E foi para o espectador português, “muito instável e irrequieto”, que La Féria fez desta uma peça de uma hora e meia, adaptada “a outra linguagem” e para os “olhos do espectador de agora”.

João d’Ávila dizia na conferênci­a de imprensa que “não há talvez nome melhor do que o desta peça”: As Árvores Morrem de Pé. La Féria diz que ela estará em cena o tempo “que os os atores aguentarem e o que o público quiser”. Lembrando as dificuldad­es em que trabalha, a ausência de apoio público, e os esforços complacent­es de “alguns atores, que só vão receber metade” ou o cenário feito com os móveis de sua casa – “os candeeiros, o maple...” –, o encenador diz que também aqui, em Portugal, precisávam­os de uma Causa, como Casona inventou nesta peça, uma organizaçã­o para tornar felizes os infelizes. Ruy de Carvalho corroborar­ia depois, afirmando: “Magoa-me muito que uma companhia como esta não tenha o apoio do Estado.” Mas estão de pé, todos eles. E tudo indica que assim permanecer­ão.

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