Diário de Notícias

Dipa. O salto mais temido leva a pioneira indiana à final

Asiática fez história ao apurar-se para final de salto, após executar a técnica mais perigosa e renegada da disciplina

- RUI MARQUES SIMÕES

Não é fácil para uma atleta afirmar-se na ginástica artística, quando cresce num país sem tradição na modalidade (nem meios financeiro­s), como é a Índia. Para singrar, após percorrer um caminho pedregoso até à elite mundial, Dipa Karmakar precisava de um golpe de asa, um gesto técnico que a fizesse sobressair entre as ginastas das maiores potências: encontrou-o no salto Produnova, o movimento mais perigoso (e maldito) da modalidade. E, com a aterradora técnica – se correr mal, pode deixar a praticante tetraplégi­ca ou até matá-la –, fez história: apurou-se para a final de salto (cavalo) do Rio 2016.

Na verdade, Dipa, de 22 anos, já fizera história ao tornar-se a primeira ginasta indiana a ganhar medalhas em provas internacio­nais ( Jogos da Commonweal­th de 2014 e Campeonato­s Asiáticos de 2015) e a participar em Jogos Olímpicos (neste ano). Contudo, o desempenho na qualificaç­ão da prova individual de ginástica artística, concluída no domingo à noite – madrugada de ontem em Portugal –, catapultou-a para a ribalta, por se ter apurado para a final de salto (8.º lugar, com 14.850 pontos) e por ter executado, uma vez mais, o temido Produnova.

A pioneira – 51.ª na classifica­ção all around, somatório dos quatro aparelhos [Filipa Martins foi 37.ª, melhor resultado da ginástica artística portuguesa em Jogos Olímpicos] – alcançou mais um feito histórico para a Índia. No entanto, o que deu que falar foi o gesto executado. Há quem chame ao movimento “o salto da morte”: consiste numa reversão (apoio das mãos na mesa) seguida de dois mortais agrupados para a frente (cambalhota­s aéreas com as pernas flexionada­s). E foi batizado em honra da russa Yelena Produnova, a primeira a conseguir fazê-lo, com distinção, em competiçõe­s internacio­nais (em 1999).

Para a maioria das ginastas, este é um movimento maldito, demasiado arriscado para ser tentado e renegado pelos treinadore­s. Uma aterragem mal calculada (se a praticante não cair de pé) pode causar graves mazelas nas costas ou no pescoço. E a própria Dipa está consciente disso: “Eu peso 45 quilos e, quando caio, as minhas pernas suportam uma carga de 90. Se errar, todo esse peso vai para o meu pescoço. Sei que é perigoso mas é preciso correr riscos para vencer.”

“Não estou a tentar morrer”, responde uma das críticas, Simone Biles, a adolescent­e norte-americana que é a maior candidata a converter-se na superestre­la da ginástica artística no Rio 2016. As atletas contrárias ao salto maldito sugerem mesmo que o complexo sistema de pontuações da disciplina deve ser modificado, para não valorizar tanto uma técnica tão perigosa.

“Agora, este é o salto mais fácil” No entanto, as críticas (e o medo de sofrer uma lesão irreversív­el) não fazem Dipa Karmakar vacilar. Após 16 anos de sacrifício­s – quando se iniciou não tinha calçado apropriado, o fato de competição era emprestado e treinava-se num ginásio que ficava inundado na época das monções –, a indiana chegou à ribalta, à conta do Produnova. E não o quer deixar. “Agora, este é o salto mais fácil para mim. Espero que ele se torne ainda mais famoso do que eu na Índia”, diz a ginasta, que garante ter praticado a manobra mais de mil vezes nos últimos três meses.

De resto, a asiática não é a única fã do salto mais temido, tentado pela primeira vez, sem sucesso, pela chinesa Choe Jong Sil (em 1980), e já executado com distinção por outras quatro atletas. A mais famosa é a lendária Oksana Chusovitin­a – que, aos 41 anos, está nos seus sétimos Jogos Olímpicos e se tornou a mais velha de sempre a participar em provas de ginástica artística. A usbeque não executou o Produnova na qualificaç­ão (5.ª, com 14.999 pontos) mas já prometeu fazê-lo na final de salto, no domingo (dia 14). Aí se verá até onde o gesto maldito as pode levar.

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