Diário de Notícias

O NEPALÊS QUE SONHA PLANTAR UM OLIVAL NOS HIMALAIAS

- CÉU NEVES

Omar, o azeite e a arquitetur­a. É o melhor de Portugal para Tanka Sapkota. Não se estranha que a beleza da paisagem e dos edifícios sejam os principais atrativos para quem vem de fora. Mas... e o azeite? “É excelente e não há oliveiras no Nepal. Levei 25 pés na mala para plantar lá, vamos ver o que dá. O meu sonho é ter um olival no Nepal”, explica o chef Tanka, que recebe quem se senta à mesa dos seus restaurant­es com um pires de azeite. É o Empreended­or do Ano 2016 e a sua pizaria, Forno d’Oro, está entre as 20 melhores do mundo, a única a conquistar o galardão na Península Ibérica.

Além de levar oliveiras, trouxe terra do Nepal, três amostras que entregou ao Instituto Superior de Agronomia para analisar. Depois das azeitonas, porque não pêssegos ou ervas aromáticas? Terreno não lhe falta, apesar de ser “muito caro”. A família vivia da agricultur­a, da farinha e do arroz, e explorava um moinho. “O meu pai era muito dinâmico, era riquíssimo”, explica. O que significa que não deixou as origens só pelo dinheiro. “Estudava Direito, mas não estava entusiasma­do e quis fugir ao casamento. O casamento do meu irmão mais velho foi mais ou menos combinado, o outro já foi menos e a seguir seria eu. Eu só me queria casar depois dos 25/26 anos.” E o irmão tinha imigrado para a Alemanha e contava-lhe quanto ganhava. “Era muito, muito dinheiro.”

Deixou o primeiro ano da universida­de, Damek, a aldeia do distrito de Baglung onde nasceu, e viajou para Estugarda, na Alemanha, em 1992. Chegou às 09.00 e começou a trabalhar às 17.00. “O meu irmão deixou-me descansar umas horas”, ri-se. Lavava pratos num restaurant­e italiano, tarefa que cumpriu durante um mês e 19 dias. E pensou: “Tenho de evoluir. Nunca tinha lavado pratos, ainda por cima que não eram meus.” E, literalmen­te, meteu as mãos na massa, onde se revelou mestre. Entretanto, tinham-lhe mudado o nome, passou a ser o Giovani, o que até lhe deu jeito mais tarde nos negócios. “Tinha 18 anos quando deixei os meus pais. Era muito novo e tinha tudo, não foi fácil.” Novo e com ar de miúdo, que ainda hoje mantém. E que lhe permitiu namorar Sita, nove anos mais nova, diferença que não seria bem aceite pela família se soubessem. Quando se conheceram ela tinha 14 ou 15 anos e ele 25. Ninguém me perguntou a idade. Nem no casamento”, cinco anos mais tarde. Ela tem 33 anos e imigrou aos 19. Ele tem 44.

Conheceram-se no casamento do irmão mais velho de Tanka, Sita era prima da noiva e, mais tarde, uma das suas irmãs uniu-se a outro Sapkota. São quatro rapazes e apenas o mais velho não vive em Portugal, está na Austrália. Todos com restaurant­es, nepaleses, que iniciaram com o apoio do chef. Quando Tanka catrapisco­u Sita, já tinha em Lisboa o Bella Itália, que transitou para o Come Prima, em 1999, conhecido pelas especialid­ades sazonais, como as trufas brancas de Alba. Ostenta três prémios italianos, entre os quais o de Vera Pizza, certificaç­ão napolitana. “É a estrela Michelin das pizas”, diz.

“Estrela Michelin” também atribuída ao Forno d’Oro, inaugurado em janeiro de 2015, com cerveja artesanal e mais dedicado às pizas. Acaba de integrar a lista das 20 melhores pizas do mundo da revista Follow Me to Travel. É o único eleito da Península Ibérica e um dos cinco europeus. Concilia os produtos italianos com os portuguese­s. Exemplo: nesta altura servem piza de beldroegas.

Mas a distinção de Jovem Empresário/ /Empreended­or do Ano (2016) da Associação de Restauraçã­o e Similares de Portugal é especial. Concorria com o chefe Avillez e mobilizou “clientes e amigos portuguese­s”, mas também a população e a diáspora nepalesa.

Tanka e Sita não pensam em regressar para já ao Nepal e os seus pais vivem aqui parte do ano. Têm dois filhos, Angelie, 10 anos, e Adarsha, 8, que frequentam o St. Julian’s, mais de mil euros por mês cada um. “Sabem o sacrifício que fazemos. Demorei três anos a escolher e foi tão duro. É uma escola do mundo, com 42 nacionalid­ades, e pensei que não iriam sentir-se estrangeir­os.” Têm três objetivos: dar uma boa educação aos filhos, cuidar bem dos pais e viajar com a família, o mais difícil.

Resta saber como veio parar a este cantinho da Europa, depois de viver quatro anos e meio na Alemanha. “Vim em 1996 para me legalizar na Europa, fazia os papéis, pensei que ficava uma semana.” Logo percebeu que teria de permanecer em território português muito mais tempo e ao terceiro dia começou a trabalhar no La Trattoria, hoje um concorrent­e e que fica na rua do Forno d’Oro. E apaixonou-se por Portugal. Deixou o patrão na Alemanha que o tratava por filho. “Só consegui os papéis ao fim de dois meses. Pensei que em Portugal se trabalhava mal e ganhava mal, mas que aqui teria outras oportunida­des e outro ambiente.”

Não sabe se é dele ou se tem sorte, mas sempre se sentiu muito bem recebido. “As pessoas ajudavam-me imenso. Lutavam por mim, algo que nunca tinham visto. Morava nos Olivais e a junta não passava o atestado de residência. Os funcionári­os do SEF [Serviço de Estrangeir­os e Fronteiras] escreveram uma carta, com os nomes e assinada, a explicar a situação. Eu perguntava a mim próprio. ‘Como é possível? Como é que fazem isto por mim?’”

Três anos depois começou a abrir restaurant­es e não vai parar. Estudou na Escola Gambero Rosso, em Roma, para aprender com “os melhores”, porque no ensino, tal como na comida, “a qualidade é a chave do sucesso”. E já não precisa de ser Giovani para acreditare­m que um nepalês é mestre na cozinha italiana.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal