A IRANIANA QUE DÁ MAIS BELEZA A COIMBRA
Leila Sadeghi veio para Portugal para derrubar preconceitos, ao mesmo tempo que embeleza as portuguesas (e os portugueses). Aliás, a motivação inicial talvez nem tenha sido essa – chegou a Coimbra em 2005, para acompanhar uma nova etapa da carreira académica do marido –, mas tudo se sucedeu com a mesma naturalidade com que a iraniana conta a sua história e a do instituto de beleza onde, agora, deita abaixo algumas ideias feitas sobre o país de origem.
Quem vai ao FaceStudio (no Gira Solum, um dos centros comerciais mais antigos de Coimbra) fazer depilação com linha, um método tradicional iraniano que só nos últimos anos chegou a Portugal, talvez não volte a confundir persas com árabes. Leila, de 35 anos, desfaz os equívocos com tanta gentileza como apruma sobrancelhas com recurso a uma simples linha. “A nossa cultura é persa. Às vezes as pessoas tentam ser simpáticas e dizem, por exemplo, ‘gosto muito dos vossos lados, ali do Egito’. Tenho de explicar-lhes que o Egito é muito mais perto de Portugal do que do Irão e não tem nada a ver a nível cultural. Mas percebo que se confundam, por sermos vizinhos de muitos países árabes”, conta a visagista, num português quase perfeito, só denunciado pelo sotaque.
A língua, já se sabe, é o caminho para resolver quaisquer mal-entendidos. E esteve na base da integração de Leila Sadeghi em Portugal. Chegada a terras lusas em 2005, quando o marido veio fazer o doutoramento em robótica na Universidade de Coimbra, a empresária iraniana, licenciada em língua e literatura inglesa, logo quis aprender português: “A nossa língua é muito diferente: escreve-se da direita para a esquerda como o árabe, embora não seja árabe. Teria sido muito difícil habituar-me se não soubesse inglês. Isso ajudou-me bastante a aprender português.” Depois, continuou a progredir: enquanto trabalhava numa cabeleireira, tirou um mestrado em línguas e relações empresariais, na Universidade de Aveiro – formação que lhe abriu outras portas.
“No mestrado tínhamos muitas disciplinas de gestão. Isso ajudou-me a ganhar bases para criar um negócio. Decidi lançar um salão de beleza, com depilação em linha, que era algo inovador no país”, recorda a iraniana. O FaceStudio abriu portas em finais de 2008 e valeu à empresária o Prémio Empreendedor Imigrante, atribuído pela Fundação Calouste Gulbenkian em 2010. “Aqui sinto-me em casa” Está visto que a integração foi fácil: “Não tenho razão de queixa dos portugueses, são muito simpáticos. Não sabia falar mas ajudaram-me a aprender. E, a nível cultural, acho que somos povos pareci- dos: poucos costumes portugueses me surpreendem ou me parecem muito diferentes dos iranianos. Talvez me achasse mais distante num país como a Alemanha, a Dinamarca ou a Finlândia, mas aqui sinto-me muito em casa”, garante Leila Sadeghi.
Por tudo isso, o casal iraniano (o marido continua como investigador no Instituto de Sistemas e Robótica da Faculdade de Ciências e Tecnologias da Universidade de Coimbra) não pensa em deixar a cidade dos estudantes. “Nós viajamos bastante, principalmente por países europeus. Em França ou na Alemanha notamos mais insegurança e algum sentimento [pausa]... não posso dizer racista mas... Já a vida em Portugal e em Coimbra é tranquila, sem muito stress. Aqui não me sinto estrangeira. Às vezes, já nem sei se estou a falar na nossa língua ou em português”, destaca a empresária. A esse sentimento de pertença ajuda a filha, Diana – totalmente fluente na língua de Camões. “Ela é mesmo portuguesa. Quando viajamos até ao Irão – vamos lá duas semanas, duas vezes por ano, ver os nossos pais e os meus irmãos –, ela pergunta logo quando voltamos para cá”, aponta.
E que Irão é esse que Leila encontra todos os anos? Algo bem diferente do conceito de uma nação fechada e ultrarreligiosa, pelo qual é conhecido o “país dos ayatollahs”, garante a visagista. “Não é tanto assim. Lá somos obrigados a aceitar a religião [dominante, a corrente xiita do Islão]. Nenhum iraniano pode dizer que prefere outra mas esse é um assunto muito pessoal. Mesmo lá eu não era praticante. E ninguém me vinha dizer ‘a senhora tem de fazer isso senão vai ter consequências’”, nota Leila, falando de um povo “alegre e hospitaleiro”, que respeita as mulheres. “Há uma grande percentagem [da população feminina] com formação superior. E ao contrário do que se diz, podemos conduzir, até já tivemos campeãs de ralis” [como Laleh Saddigh]. Iranianas vaidosas desde pequeninas Ainda assim, para as iranianas há limitações no vestir (comuns à maioria dos países muçulmanos) e é por isso que dão tanta importância à beleza facial. “Lá, como têm de tapar o cabelo, as mulheres dão muita atenção ao rosto: desde pequeninas arranjam-se muito, há muito cuidado com maquilhagem antes de se sair de casa. É uma coisa cultural. Depois, os homens não querem ficar para trás. O Irão é o país do mundo com mais rinoplastias, cirurgias para deixar o nariz mais perfeitinho”, descreve Leila. Essa “vaidade” era uma das grandes diferenças que a visagista notava mas foi-se esbatendo ao longo dos anos – as outras, fez questão de desmistificá-las.
LEILA SADEGHI Iraniana, de 35 anos, tem um instituto de beleza facial, que lhe valeu um prémio de empreendedorismo imigrante. Vive em Coimbra, desde 2005.