Diário de Notícias

Argentina e Portugal, uma longa amizade

- OSCAR MOSCARIELL­O Embaixador da Argentina

As celebraçõe­s do Bicentenár­io da Independên­cia da República Argentina no passado dia 9 de julho recordaram-nos os laços seculares que ditosament­e nos unem aos portuguese­s. Neste marco, revisitámo­s com particular gratidão o facto de Portugal se ter tornado em 1821 o primeiro país a reconhecer a nossa independên­cia. Um gesto de enorme aceção histórica que a Argentina soube correspond­er quando, logo em outubro de 1910 e igualmente antes das demais nações, reconheceu a recém-implantada República Portuguesa.

A nível político, a relação fraterna entre Argentina e Portugal consubstan­cia-se no diálogo franco e frequente entre as autoridade­s dos dois países, no convívio tantas vezes alinhado nos fóruns multilater­ais, na execução e vontade de aprofundar os diversos acordos bilaterais vigentes e também na regularida­de com que, de parte a parte, os órgãos de soberania retribuem as visitas realizadas ora a Buenos Aires ora a Lisboa. Estamos contudo perante duas nações cuja amizade há muito extravasa a esfera política, cujos vínculos populares há muito brotam em vida própria.

De facto, da paixão pelo futebol à relevância cultural da gastronomi­a, da dedicação entusiasma­da a todas as expressões artísticas à propensão dramática excelsamen­te retratada no Tango e no Fado, da abertura de espírito das populações ao zelo pelas liberdades civis, argentinos e portuguese­s vivem e convivem dentro da mesma matriz social. Por essa razão um porteño nada estranha nas cores nem nas gentes de Lisboa, da mesma forma que o alvoroço eletrizant­e das avenidas de Buenos Aires facilmente contagia qualquer lusitano. Essa ligação ajuda aliás a explicar por que se sentem tão bem integradas, tanto a colónia argentina radicada em Portugal como a comunidade portuguesa residente na Argentina.

A presença portuguesa nas margens do rio da Prata data do século XVI. A imigração portuguesa só ganhou contudo expressão mais tarde, atingindo o seu apogeu em meados do século XX. Inicialmen­te, os portuguese­s chegavam sobretudo de Lisboa e do Porto. Mas numa fase posterior já provinham de outras regiões do país, nomeadamen­te do Algarve. Estabelece­ram-se e foram deixando raízes não somente nas redondezas de Buenos Aires, mas também em cidades como Mendoza, Olavarría e Oberá. Hoje a comunidade portuguesa e lusodescen­dente na Argentina é a terceira comunidade portuguesa na América Latina. A essa grande família lusa pertenceu o vulto literário Jorge Luís Borges, cujo bisavô alcançou o rio da Prata vindo de Torre de Moncorvo, em Trás-os-Montes.

Lembramos aqui o intercâmbi­o migratório porque outro dos emblemas culturais partilhado por argentinos e portuguese­s – que merece ser enaltecido quando o respeito pelos direitos humanos aparece beliscado até nas mais inesperada­s geografias – é, justamente, a aversão à xenofobia. A retórica racial não tem sentido nem lugar na latinidade. Segregar ou repelir o forasteiro apenas pela sua origem é contranatu­ra, esbarra na nossa tradição. No caso específico da Argentina, a imigração faz orgulhosam­ente parte da nossa identidade, das nossas virtudes e defeitos, dos nossos êxitos e angústias. E também dos nossos símbolos.

No início do século XX a economia argentina apresentav­a uma das mais robustas taxas de cresciment­o do globo. Potência agrícola indiscutív­el – sendo um gigante comercial da carne e dos cereais –, líder incontesta­do na região com níveis de riqueza superiores aos da França e Alemanha, a Argentina atraía cidadãos de todos os pontos cardeais. De tal modo que os habitantes nascidos no estrangeir­o chegaram a representa­r em dado momento quase metade da sua população.

Demasiados equívocos e ilusões desviaram a Argentina desse caminho ao longo das últimas décadas. Mas nem a personalid­ade do seu povo nem as condições endógenas ótimas ao progresso do seu território se alteraram. Bem ciente do valor e da imutabilid­ade desses dois ativos, o presidente Mauricio Macri prometeu e está a implementa­r uma agenda sem subterfúgi­os que rompe claramente com o passado recente e almeja devolver a esperança aos argentinos e semear a prosperida­de que outrora ergueu Colombo. E ao fim de apenas oito meses já emergem os primeiros resultados da mudança em curso.

Reativada a relação com as principais potências regionais e mundiais e restabelec­ido o acesso aos mercados internacio­nais de crédito, o investimen­to estrangeir­o voltou a olhar para a Argentina. Para o potencial do seu território, o oitavo maior do mundo, para as suas extensas reservas de matérias-primas e para a sua mão-de-obra qualificad­a. Enfim, para as abundantes oportunida­des que esta economia do G20 oferece em pleno arrefecime­nto global. Oportunida­des que todas as empresas portuguesa­s são convidadas a explorar. Até porque a intensidad­e das trocas comerciais bilaterais com Portugal permanece muito aquém da dimensão da amizade política e cultural luso-argentina.

Hoje a comunidade portuguesa e lusodescen­dente na Argentina é a terceira comunidade portuguesa na América

Latina. A essa grande família lusa pertenceu o vulto literário Jorge Luís

Borges, cujo bisavô alcançou o rio da Prata

vindo de Torre de Moncorvo, em Trás-os-Montes

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